Vicarious Liability
Encerramento
Este blogue termina aqui, por decisão tácita dos seus administradores. Em nome de todos, agradeço as vistas e os comentários que recebemos ao longo destes dois anos; em meu nome pessoal, devo expressar a satisfação pessoal por ter feito parte desta equipa.
Obrigado a todos. Quanto a mim poderão seguir-me em
http://pontosdevist.blogspot.com/. Uma nova experiência em grupo? Quiçá esteja para breve... então serão todos convidados a participar.
Feliz Natal
A Apologia da Crise
Os tempos de crise costumam ser adversos para uma pessoa comum, mas há quem não entenda assim e, apesar das dificuldades que conhece, procure sempre pior.
Vão nessa linha as declarações despropositadas e inconsequentes de Ramalho Eanes e Joaquim Aguiar, tornadas públicas esta semana a propósito da confirmação parlamentar do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, que tinha sido objecto de veto político do Presidente da República.
Parece que não lhes bastava a económica, tinham que vir fazer a apologia da crise política. Eanes, ex-Presidente, que não entende o sinal dos tempos, e cristalizou a sua leitura dos poderes Presidenciais num período anterior à Revisão Constitucional de 82 – propositadamente feita para lhe tirar poder –sugere, no auge da insensatez, que, não fosse a crise económica, Cavaco deveria dissolver o Parlamento por este confirmar um decreto que ele havia vetado.
Aguiar, por seu turno, antevê uma crise generalizada para 2009, quando o TC se pronunciar sobre o pedido de fiscalização sucessiva da inconstitucionalidade do Estatuto (feito pelo PSD) de que só se poderia sair por via radical: ou o Chefe de Estado teria que renunciar ao cargo, se o tribunal concluísse pela não inconstitucionalidade, ou a legitimidade política da AR e do Governo estavam irreversivelmente feridas se o entendimento fosse o contrário.
Não é que devamos valorizar excessivamente delírios – pois é isso que são estas declarações absurdas. A questão é que eles não seriam de esperar, senão de quem não conheça bem o nosso Regime constitucional, ou conhecendo-o, não resista a um sound-byte para chamar sobre si as atenções mediáticas. O que não corresponde exactamente ao perfil dos seus autores (um ex-Chefe de Estado e um ex- assessor político do actual Presidente).
Resta lembrar, para quem se deixe embalar na onda do disparate, que a confirmação do veto político é uma solução compromissória consagrada pela Constituição, para harmonizar a legitimidade democrática de dois órgãos directamente eleitos (Presidente e Parlamento), quando tenham visões antagónicas sobre uma questão de relevo: em princípio, a leitura do Presidente, materializada no veto político, deve prevalecer por ser o Chefe de Estado. Mas, quando se debata com uma maioria parlamentar sólida (como aconteceu neste caso, em que a maioria de confirmação foi de 2/3 dos Deputados) entende-se que deve ser esta a prevalecer, porque o Corpo Legislativo dispõe igualmente de legitimidade Democrática e representa directamente os cidadãos eleitores, no voto dos quais funda o seu poder.
É um sistema de equilíbrios e limites recíprocos, de checks and balances, como ensina o Constitucionalismo norte-americano. Não difícil de entender para quem não tenha uma propensão natural para o disparate, ou deseje ser mediaticamente notado acima de tudo, mesmo que tenha que pagar o preço de ser incoerente.
De resto, este exercício de equilíbrio é típico dos períodos de coabitação como o que vivemos agora, e ficou bem conhecido dos Portugueses de 1991 a 95 (no tempo da coabitação Soares-Cavaco) quando foi generalizadamente utilizado sem nunca conduzir a um desfecho radical.
Naturalmente que depois disto não pode esperar-se que a relação institucional entre Belém e S. Bento seja um idílio de apaixonados. Mas também ninguém e ingénuo ao ponto de acreditar que assim seria para sempre.
Contra os Governos Minoritários
É frequente encontrar no discurso político de dirigentes dos principais partidos de oposição a enunciação do objectivo de retirar ao “PS a maioria absoluta” nas eleições legislativas do ano seguinte.
Esta afirmação leviana, sob a forma de programa eleitoral pouco ambicioso, podia ser apenas um sinal de inércia ou resignação. Mas é bem mais grave do que isso. É a condenação do país, ao regresso a uma situação de instabilidade política periclitante a qual não podia ser mais fatal num contexto económico como o que agora atravessamos, que exige um governo democraticamente legitimado e parlamentarmente sustentado para tomar as medidas necessárias no tempo certo.
Não vou remeter os leitores para os tempos quentes dos anos 70, quando os governos se sucediam no poder a um ritmo acelerado incapacitados de qualquer acção de médio prazo. Mas faço apenas apelo a que se recordem de um momento bem mais próximo, a que todos assistiram certamente, e que não recordam com saudade.
De 1995 a 2002 o Eng. Guterres governou o país com maioria relativa. Os tempos de diálogo então anunciados, que inicialmente soaram com um vigor balsâmico depois da feição autoritária dos últimos anos da maioria cavaquista, rapidamente se transformaram em tempos de instabilidade e desnorte, em que nenhuma medida era posta em prática se houvesse o menor sinal de contestação popular e legislação importante (como a alteração da Lei de Enquadramento Orçamental) não era aprovada por falta de base de apoio, ou transformava-se numa “manta de retalhos” de combinações duvidosas, produto de prolongadas negociações e de inevitáveis cedências aos óbices que qualquer força política representativa se lembrasse de levantar.
É também desse tempo a famosa polémica do «queijo limiano», que não andou muito longe do «escândalo do mensalão» que em 2006 rebentou no Brasil, e que muitos apelidavam como próprio do ambiente político da América Latina: dada a ausência de maioria, o governo teve de “comprar” (leia-se, a troco de benefícios políticos para a sua região) o voto do Deputado-Autarca Daniel Campelo, para assim conseguir fazer aprovar o Orçamento de Estado.
Nenhuma pessoa consciente deseja voltar a tempos de instabilidade e de jogos políticos baixos. Por isso, é fundamental que das próximas eleições legislativas saia um Governo que, como este, disponha de maioria absoluta.
Certamente cada um saberá em quem votar, à esquerda ou à direita, mas deve ter consciência do resultado a que pode conduzir depositar o seu voto num partido fora do arco da governabilidade.
E com isto não apelo a um "Centrão". Mas é óbvio que, em tempos difíceis, não há como governar negociando sistematicamente com todos. Nem as coligações, generalizadamente utilizadas noutros países estrangeiros, funcionam bem em Portugal, como se prova pela simples evidência histórica de nenhum governo de coligação tentado, até hoje, ter permanecido em funções até ao termo da legislatura (é certo que muitos terminaram o mandato por outros motivos que não desarmonia dentro da Coligação, mas em todos eles se fizeram sentir sérios episódios de descoordenação. A isso soma-se a total impossibilidade de coligações à esquerda, faixa dominada por partidos tendencialmente anti-poder ou com programas que não se prestam a entendimentos governativos).
A reforma da lei eleitoral que sistematicamente se anuncia, deve levar em conta esta evidência e introduzir mecanismos que favoreçam a formação de maiorias parlamentares absolutas do partido vencedor das eleições, como sejam as chamadas “cláusulas-barreiras” que vedam a eleição de deputados aos partidos com pouca percentagem de votos, evitando a dispersão parlamentar de forças políticas e favorecendo a estabilidade.
Mecanismos como este, que vigoram por exemplo no Sistema Alemão, são uma boa forma de compatibilizar as vantagens de um Sistema Proporcional com a necessidade de estabilidade política e consolidação de maiorias, consolidação essa fulcral em países, como o nosso, cuja classe política está impreparada para a formação de coligações duradouras.
Ir ao Mundial de Férias
Vou voltar a escrever sobre futebol, com a prevenção inicial de que não sou minimamente especialista no assunto, a qual serve para todas as outras vezes em que me aventure em tais terrenos movediços (dispensando-me, assim, já, de voltar a repeti-la).
Posto isto, a seguinte nota muito breve: se os resultados da selecção de Queirós, são o entusiasmante 6-2 com que nos brindou na passada semana, num jogo particular, e as derrotas ou empates com equipas mais fracas que conseguiu em jogos “a sério”, a contar para a qualificação para o Mundial, a bem da verdade, melhor seria que se não apurassem, porque não podemos esperar figura menos triste que a fizeram em 2002.
Não conheço equipa nenhuma, seja do que for, além da Portuguesa, que vá a um campeonato para fazer turismo, e não para disputar o título. E, como, pelo que se está vendo, é esse o objectivo para 2010, melhor será que fiquem em terra, pois que, para irem de férias, é melhor que cada um as pague do seu próprio bolso. E os nossos augustos representantes desportivos são regiamente remunerados (nos respectivos clubes) para o fazer.
PSD
Desculpa lá Santana, mas vou continuar a não dizer que tu és o candidato a Lisboa, para as pessoas pensarem que sou eu que mando no e que o que disser conta para alguma coisa!
Como diria Manuela Ferreira Leite...
... no auge da sua capacidade de expressão, Maria de Lurdes Rodrigues, ao procurar ignorar que existem escolas a desaplicar a Lei que contempla a avaliação dos docentes, tem feito figura de palhaça.
Com o devido respeito, é a expressão mais significativa que encontro. Compreendo que admitir o contrário seria pôr em causa a sua autoridade política, num momento em que mais precisa dela para resistir à vaga de protestos e manter-se no cargo até ao fim da legislatura. Mas fechar os olhos às evidências e negar o que toda a gente vê, nunca foi uma boa estratégia para tentar mostrar firmeza, e não é agora que será.
Soluções para o problema, não me atrevo a avançar, porque estou demasiado distanciado da realidade dos factos para não correr o risco de dizer trivialidades. Mas não posso deixar de repetir o apelo à serenidade do post da passada semana – que naturalmente, ninguém ouve mas corresponde à expressão da opinião mais comum entre as pessoas “fora da polémica” que conheço – e sobretudo, de lamentar que o Presidente da República, cuja função nestes tempos de acalmia política é precisamente essa, não o tenha feito convictamente e com mais frequência.
Descoberta Tardia
António José Seguro, o mais credível dos opositores políticos de José Sócrates conhecidos (o outro é Manuel Alegre … mas esse ninguém leva a sério) veio esta semana afirmar que “ a arrogância nunca poderá ser marca de um Governo de esquerda”.
É caso para dizer que se a marca de um governo de esquerda é mudar-se de Ministro ou ir-se para baixo da cama a tremelicar, cada vez que se toma alguma medida que pode suscitar contestação popular, como nos tempos áureos dos governos de Guterres, de que o citado fez parte, então eu não aprecio governos de Esquerda e andei todos estes anos enganado.
Sobre as trapalhadas de Manuela Ferreira Leite...
... escreve Filipe Luís na Visão desta semana que “ o desabafo deve ser integrado no contexto e não deve ser empolado. Mas eu, como eleitor, considero preferível um candidato que dê garantias, não só de agir, mas de pensar como um verdadeiro democrata. (…) Os tiques de um político sem genes democráticos vêm sempre ao de cima, em momentos de crise”.
Eu próprio não comentaria melhor. E como não o faria, não me resta muito mais que remeter para a lúcida crónica aqui citada, e acrescentar um ou dois apontamentos pessoais, com os quais talvez o autor não concorde, mas que me parecem absolutamente fundamentais.
Desde logo referir que, apelidar de “ironia” a desastrada referência da Presidente do PSD à possibilidade de “suspensão da Democracia” é um eufemismo, demasiado generoso para quem tem a formação académica e a experiência política necessárias para saber exprimir-se correctamente, e que, provavelmente, não seria concedido a outro dirigente político que proferisse tão sonoro disparate.
É óbvio que Ferreira Leite não quis dizer exactamente o que disse. Mas isso não significa que não o tenha pensado, que não se limite a apenas suportar a Democracia como um regime meramente sofrível que se pode pôr de lado na primeira oportunidade, se razões atendíveis o determinarem.
Avessa à exposição pública e com um percurso que lhe tem permitido seleccionar muito bem o timing e o conteúdo das suas intervenções, para não se trair, Ferreira Leite, escondeu todo este tempo o seu entendimento sobre como deve ser o poder político, para agora revelá-lo aos poucos, implicitamente, nas curtas declarações que faz para quebrar um silêncio precioso para quem tem um pensamento contrário ao sistema onde pretende singrar e pouca capacidade para ocultá-lo quando fala.
Nesse entendimento, como a própria revelou, o casamento é um mero instrumento de procriação, a liberdade de expressão pode ser coarctada quando é incómoda e os imigrantes são referidos com menos deferência, como Seres suspeitos de roubar os postos de trabalho dos cidadãos nacionais e ameaçar a desejada “ordem” do Estado, que uma polícia, bem armada para não “fazer figura de palhaça”, se encarregaria de manter a todo o custo.
Esta constatação, que a mim e a outros verdadeiros Democratas, talvez possa incomodar, não é, no entanto, uma novidade. Dezenas de dirigentes dos principais partidos políticos nacionais, agentes mais directos da Democracia, são, na realidade, avessos a este Regime, sem nunca o terem declarado.
Apesar disso fazem parte do jogo político, porque é nele que saciam a sua ambição de poder, ou simplesmente atingem os lugares certos para ter os contactos e as oportunidades necessárias para fazer parte dos esquemas e das grandes redes de influência, e assim melhorar de vida de uma forma tão cómodo e tão rápida que os que ficam de fora não conseguem imaginar.
Não sou tão utópico ao ponto de acreditar que as pessoas são coerentes, e que, como tal, quando não se revêem numa ideia ou numa instituição, se afastam dela e tentam contrariá-la, não fazem parte do status quo porque é mais prático ou porque querem tirar proveitos.
Simplesmente gostaria de sublinhar que a Democracia, regime que muitos pensam ser uma conquista irreversível, é na verdade o mais vulnerável de todos …
As contradições de Manuel Alegre
Manuel Alegre deu recentemente entrevistas a alguns órgãos de comunicação social onde, no estilo afectado do costume, denuncia os deficits democráticos do governo do PS e se coloca frontalmente contra a política educativa do Ministério de Maria de Lurdes Rodrigues.
Ora, convém lembrar que a liberdade de expressão é uma conquista sublime dos regimes democráticos, mas como qualquer direito, está interna e extrinsecamente limitado nas condições do seu exercício. E Manuel Alegre não é um cidadão comum que, desapaixonadamente, num blogue ou numa conversa de café dá a sua opinião sobre um tema política.
É dirigente e deputado do partido que constitui a maioria parlamentar de apoio ao governo, funções que lhe impõem um dever de contenção que sobre outros não impende.
Toda a gente sabe que a ligação a um partido político traz limitações no discurso e na expressão pública do pensamento, que se não conhecem se nunca abandonarmos a categoria de cidadão independente. Mas também ninguém é obrigado a militar em que partido seja, nem, muito menos, forçado a fazer-se eleger deputado nas suas listas.
É caso para dizer que Manuel Alegre, com todo o seu capital de dignidade e coerência, quer ter todas as vantagens da militância partidária, sem nenhum dos inconvenientes. E pensa que o seu auspicioso passado de luta pela Democracia que lhe confere essa prorrogativa, que mais ninguém tem.
Um Apelo à Serenidade
Já Maquiavel recomendava ao Príncipe, na sua obra dedicada a Lourenço de Medicis, que constitui o primeiro grande contributo moderno para o estudo da Ciência Política: delegar as tarefas impopulares nos colaboradores, para que, depois destes as executarem, o Príncipe possa afastá-los de funções e não ver a sua imagem associada a medidas desagradáveis.
A ideia da remissão da responsabilidade para terceiros, tem acompanhado a História da actividade política ao longo dos séculos e é uma estratégia ainda hoje recorrente em Democracia: as oposições empurram a responsabilidade para o poder, este devolve-a aos governantes cessantes, e aqueles, quando podem defender-se, acusam quem lhes sucedeu de ter desbaratado a herança e falhado todas as promessas.
Do ponto de vista governativo, o passado recente documenta exemplos de Ministros apontados como bodes expiatórios de escândalos incómodos para os seus governos, e afastados de funções em nome da necessidade sanguinária de ver “rolar uma cabeça” que alimenta a opinião pública. Uma opinião pública cega na sua voracidade de encontrar alguém para penalizar, para com o sacrifício reconfortar o seu ego e se convencer que também teve um papel a desempenhar na marcha dos acontecimentos, que teve uma palavra a dizer, mesmo que solenemente ignorada ou irrelevante.
Não discutimos ideias, criticamos pessoas. Não exigimos o fim daquilo que nos incomoda, limitamo-nos a pedir a cabeça de quem teve a ideia de pô-lo em prática. E no fim de tudo, ou a reforma incómoda já está executada e não há o que mudar, ou o sangue do sacrificado basta para que o seu sucessor possa fazer tranquilamente aquilo que antes toda a gente contestava.
Isto tudo para dizer que José Sócrates não pode cometer, com a Ministra da Educação, o erro lamentável que cometeu há um ano com Correia de Campos - demiti-la para a responsabilizar pela crise, e limpar a sua imagem na esperança de um bom resultado eleitoral. A resolução da crise que actualmente opõe o Governo aos docentes, ameaçando a estabilidade necessária para as reformas urgentes reclamadas pelo sector educativo, não passa por encontrar-se um culpado a sacrificar, para acalmar as multidões e depois ficar tudo na mesma.
É necessária serenidade para negociar, humildade democrática para se admitir os erros, e sentido de Estado, de parte a parte, para se reconhecer que estão em causa interesses bem mais importantes do que os interesses próprios de cada um dos envolvidos, que aconselham um diálogo de transacções e cedências mútuas, em nome de valores maiores que a sociedade não pode deixar de exigir que se levem em conta.
Numa Democracia desenvolvida, os governos não caem nem se remodelam ao sabor de manifestações de rua. Mas também não gerem a sua relação com o povo (mais autoritária, ou mais dialogante) em função dos ciclos eleitorais, nem se arrogam em intérpretes exclusivos do interesse público, fechados a opiniões contrárias.
Qualquer pessoa que queira, com seriedade, debater este assunto, está de acordo que tem que haver avaliação nas Escolas. Como no Ensino Superior, na Administração Pública ou nas relações laborais privadas. Avaliar é a única forma de distinguir quem se esforça de quem se arrasta no exercício das suas funções; é a única forma de premiar o mérito e penalizar o absentismo e a displicência. E qualquer avaliação rigorosa há-de necessariamente distribuir as pessoas por categorias diferentes, porque as pessoas em si também são diferentes, em mérito, empenho e formação, e não podem tornar-se “iguais por decreto”, por benevolência ou medo da contestação.
Mas, quando sistematicamente se emenda a mão e adia a institucionalização do quer que seja, é porque o trabalho de preparação não foi feito correctamente, e deixou-se passar para a fase de execução erros estruturais que não podem depois deixar de ser corrigidos.
Toda a gente já compreendeu que o governo falhou na escolha do processo de avaliação. Por pressa, por irreflexão, por contenção de custos, concebeu um modelo inoperacional e incompatível com os objectivos de excelência que tinha delineado para o sector. Assim como tem falhado na fúria estatística de produzir bons resultados, e nas recentes alterações do Estatuto do Aluno, concebidas de forma irracional e inconsequente.
Mas isso não significa que a partir daqui tudo seja permitido. Greves de alunos, mais preocupados em encontrar um expediente para faltar às aulas do que consciencializados da dimensão do direito que pretendem exercer (e que, de resto, não lhes assiste), chuvas de ovos e insultos, disparates. A algazarra de rua é uma perda de tempo fatal em países que, como o nosso, precisam de estabilidade e consenso para se porem em prática as reformas necessárias ao progresso.
E todos os que optarem pela violência, pela arrogância, pelo insulto ou pelo simples aproveitamento político barato de um problema grave, estão a dar um mau contributo à resolução do problema e a prestar um péssimo serviço à Democracia.
É imperioso que os ânimos serenem e que, tranquilamente, o governo e os envolvidos (sindicatos ou outros representantes) se sentem à mesa para procurar uma solução, comparando modelos alternativos, diagnosticando os seus problemas, se necessário começando tudo de novo.
Gaste-se o tempo necessário, não há que temer o dialogo nem a preparção das reformas. O que se deve temer são as más reformas.
Os fãs de Obama
Não vou lembrar que Obama venceu as presidenciais americanas de terça-feira passada, não vou sublinhar o resultado significativo e a participação eleitoral poucas vezes vista que despoletou, nem vou sequer teorizar sobre as razões de ser desta vitória tão expressiva ou especular sobre os seus próximos passos políticos, das primeiras medidas à escolha dos principais rostos da Administração.
Vou apenas indignar-me com a forma obsessiva como esta eleição americana foi acompanhada na sociedade portuguesa, uma sociedade absentista e desinteressada da sua própria política interna, que sistematicamente diz não quando é chamada a pronunciar-se sobre alguma questão relevante e troca a vida pública pelo futebol ou pelas trivialidades mediáticas.
Nos empregos, nos transportes, nas faculdades, houve manifestações de júbilo e suspiros de reconforto. No dia seguinte ao momento que mudou o Mundo, apesar das olheiras reveladoras de uma noite mal dormida, colada à televisão, as pessoas comentavam os resultados eleitorais com um sorriso de entusiasmo estampado no rosto, como se aquilo que os americanos decidiram neste domínio pudesse influir concretamente nalgum aspecto das suas vidas, e como se se sentissem parte de uma comunidade política que não é a sua, e sobre a qual – na maioria dos casos – pouco mais conhecem que os faits divers veiculados pelos telejornais.
Falar do dogma do american way of live, acriticamente absorvido e superlativado pelas sociedades ocidentais, da divinização da figura do Presidente dos Estados Unidos, visto pelo cinema norte-americano como uma espécie de líder do Planeta, seria uma explicação demasiado teórica e intrincada para um fenómeno de compreensão simples, que, em relação a Portugal, se exprime em duas ou três ideias bem simples, embora não particularmente agradáveis: mistificação do estrangeiro.
A mão invisível
passado ou prognose?
A Escola light...
Com menos calorias e todos os nutrientes essenciais...
Num momento de curiosidade visito o sítio do GAVE na Internet, por onde não passava desde os agitados dias dos Exames Nacionais, no Verão de 2005, para descobrir o que mudou desde do ano em que completei o secundário até agora.
Em rigor a curiosidade é acompanhada por um pré-entendimento que pretendia confirmar: o de que as provas são agora mais fáceis, e é por isso, e não por razão diversa, que as notas mínimas de acesso ao Ensino Superior atingiram este ano fasquias não vistas nos últimos tempos e o número de colocações aumentou exponencialmente.
Os programas estão alterados, há disciplinas suprimidas, outras que se limitaram a mudar de nome, e matérias que se deslocaram para áreas diferentes daquelas onde tradicionalmente costumavam ser tratadas.
Há, de alguns anos a esta parte, um velho e mau hábito na política educativa portuguesa. O hábito de mudar radicalmente o sistema cada vez que muda o governo, de romper totalmente com o passado e começar do zero, alterando currículos e substituindo regras de funcionamento, quase pelo puro gosto de mudar, para se criar espaço para que os autores das reformas deixem a sua marca pessoal no sector que tutelam, e sem se ponderaram devidamente os benefícios e os custos da mudança antes de introduzi-la.
A mudança, é, contraditoriamente, tão profunda como superficial. Mudam-se os nomes e os programas, mudam-se os modelos de avaliação e os modos de gestão dos recursos humanos, mas os problemas sistematicamente diagnosticados continuam por corrigir. Permanece a lógica da escola “monopolizadora” ao nível do Ensino Básico, com os horários assombrosamente preenchidos com programas enciclopedistas e disciplinas de duvidosa utilidade. Permanecem as turmas grandes e a filosofia incontornável da poupança. Mas a par do que foi mudado e do que vai resistindo, há uma tendência feroz para o facilitismo, que se agudiza em cada reforma, alimentada por uma sede estatística de resultados e pela necessidade de uma constante propaganda política de sucessos, reais ou forjados.
A política do “três menos”, que deve ser familiar a todos os leitores que frequentaram o Ensino Básico no mesmo período temporal que eu, é agora mais ambiciosa e chegou ao Secundário com retumbantes médias de 14 valores no Exame Nacional de Matemática, o mesmo que há poucos anos (muito poucos para que a execução de qualquer reforma permita uma alteração tão profunda nos resultados), era o parente pobre nas estatísticas e incentivava “migrações” em massa de alunos para a área de Letras, mais motivados pelo desejo de fugir ao “monstro” do que pela identificação pessoal com as disciplinas aí leccionadas.
Os Exames Nacionais que encontrei no GAVE confirmaram o meu pré-entendimento. As perguntas são mais simples e directas, de resposta curta ou desenvolvimento orientado por tópicos ou outras instruções de raciocínio. Nas línguas estrangeiras os textos são mais pequenos e os exercícios de interpretação ou dispensam a produção de enunciados escritos extensos (correspondência e associações, Verdadeiro ou Falso…) ou permitem uma maior colagem das respostas ao texto interpretado.
No que concerne às restantes disciplinas convido quem as tenha frequentado antes da reforma a comparar as alterações. Mas fica retirada a amostra. Uma amostra muito significativa que deixa antever que a Escola é cada vez mais para produzir resultados do que para aprender.
Casamentos homossexuais
O Bloco de Esquerda e os Verdes propuseram. A maioria socialista rejeitou. E o país todo discutiu apaixonadamente, mesmo sabendo previamente qual seria o resultado do debate.
Refiro-me, evidentemente, à legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, reivindicada há algum tempo por alguns sectores do aparelho político e por vezes considerada uma forma de restaurar a “legalidade” violada com a eventual inconstitucionalidade do actual regime gizado pelo Código Civil, à face dos arts. 13º nº 2 e 36º nº 1 da CRP.
A questão não é despicienda e implica que dissociemos pelo menos dois pontos, bem diversos entre si. Um primeiro, estritamente jurídico (ou jurídico-constitucional) de interpretação das disposições constitucionais reguladoras da matéria do casamento com vista a analisar a procedência de uma eventual inconstitucionalidade do regime legal desta matéria; e um segundo, inteiramente político (ou de política legislativa do Direito) referente à oportunidade da alteração do regime legal vigente e à sua adequação aos Direitos Fundamentais dos cidadãos, e ao sistema de valores da sociedade portuguesa em matéria matrimonial.
Relativamente ao primeiro, votamos no sentido da não inconstitucionalidade, interpretando literalmente o disposto no nº 2 do art. 36 que remete para a lei ordinária a definição dos requisitos e dos efeitos do casamento. Segundo nos parece, a articulação sistemática do preceito aponta no sentido de se ter estabelecido uma regra geral no nº 1 (de universalidade e igualdade no acesso ao casamento), concretizada depois pelas disposições seguintes. É com efeito ao legislador ordinário que cabe elencar os requisitos que devem estar preenchidos para o casamento, os efeitos do mesmo e, a contrario, o valor jurídico dos casamentos celebrados com e sem observância desses mesmos requisitos.
Contra esta asserção, não pode, segundo nos parece, opor-se vitoriosamente uma interpretação abrangente do art. 13, nos termos da qual, seriam inconstitucionais as exigências de diferença de sexo entre os nubentes, por violarem o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de discriminação (art. 13/2). Com efeito, conceber esta exigência como uma descriminação dos homossexuais, seria equivalente a aceitar igualmente como discriminações, outros impedimentos legais: a idade superior a 16 anos, seria uma discriminação dos jovens de 15 ou menos anos, a não verificação de parentesco até ao terceiro grau da linha colateral uma discriminação dos nubentes em relação aos quais tal se verificasse, e assim sucessivamente, levando a uma extensão perigosa e disfuncional do princípio constitucional em apreço que, acreditamos, não ser acolhida pelos defensores da teoria da inconstitucionalidade da lei civil.
Acresce que, esta perspectiva de devolução da regulação concreta para a lei civil surge, quanto a nós, como a única que se coaduna com a articulação sistemática entre o âmbito de regulação de Constituição e lei ordinária num Estado de Direito Contemporâneo: ao legislador constitucional cabem as grandes opções a definição dos princípios orientadores da comunidade política; mas é na lei ordinária que se plasmam as soluções concretas, os regimes a aplicar às situações da vida, ainda que não podendo deixar de concretizar as directrizes constitucionais.
Discordamos ainda, com o devido respeito, da orientação veiculada por Jorge Miranda, para quem, a não inconstitucionalidade deveria concluir-se, de uma eventual relação de especialidade entre as regras reveladas pelos arts. 13 e 36 e por uma concepção, pelo legislador constitucional, do instituto do casamento articulado com a constituição de família e com a filiação.
Não cremos que este entendimento possa manter-se apenas com recurso à epígrafe do art. 36. Contra esta leitura devemos opor a necessidade de interpretação evolutiva da Constituição. Além disso, não nos parece sensato que um legislador Constitucional democrático tivesse a pretensão de regular a vida dos cidadãos ao ponto de definir um único modelo de casamento ou um modelo de família compaginável com o texto constitucional. O contrário acabaria por levar a considerar-se de duvidosa constitucionalidade os regimes legais entretanto aprovados para tutelar outros modelos de família diferentes da família “tradicional”, supostamente subjacente ao disposto no art. 36.
A Constituição, mau grado a sua inevitável proximidade com o plano ideológico-valorativo e com o contraditório político, é um texto jurídico, que não pode deixar de interpretar-se de harmonia com os cânones gerais de interpretação da lei, técnicos e ideologicamente desapaixonados.
Já em matéria de política legislativa, somos favoráveis a todas as alterações legislativas que redundem numa maximização do bem-estar dos cidadãos e recusamos, evidentemente, a instrumentalização do Direito por convicções pessoais homofóbicas e discriminatórias. Só duvidamos da prioridade política desta reforma legislativa face a outras que urgem ser concretizadas em sectores mais sensíveis da sociedade…
Vitórias Morais
É melhor ficar em 4º lugar no Mundial do que não chegar a ser apurado. É melhor uma vitória moral do que uma derrota retumbante. Scolari, volta. Estás perdoado!
Manuela Ferreira Leite...
... tem uma qualidade rara nos nossos dias: conhece e sabe gerir equilibradamente as suas qualidades e as suas limitações. Se cada vez que fala, ou diz um disparate, ou perde credibilidade, é bem compreensível que prefira permanecer em silêncio...
Prospecção
Às vezes pergunto-me o que é que estarei a fazer daqui a 1 ano, a uma década, como é que serei quando tiver 30 ou 40 anos e no que me terei transformado.
O futuro é uma incerteza. E nesta constatação mais ou menos evidente, quase banal, esconde-se uma lógica perturbadora na qual insistimos em não reparar. Nada é certo, ou sequer previsível. Para nada nos podemos preparar com o mínimo de segurança, com a convicção de que não seremos confrontados com o inesperado nem teremos de lidar com o imprevisível. O curto prazo é mais facilmente arrumado nos limites da previsibilidade, porém, nem assim nos isenta de surpresas, de sucessos inesperados ou de desilusões.
Acredito que amanhã vou ficar em casa, que segunda-feira vou acordar cedo, com uma expressão ensonada, para ir para a faculdade, e que daqui a dois ou três meses ainda estarei em aulas ou talvez em exames. Mas em rigor não sei se é assim que as coisas se vão passar. E mesmo que seja, o que posso prever limita-se a categorias gerais. Prevejo que vou para as aulas, mas não sei como vão decorrer. Que vou fazer exames, mas desconheço os resultados ou os assuntos sobre os quais serei testado (naturalmente, não teria muita lógica a avaliação se os conhecesse, se é que ainda lhe resta alguma). Que fico em casa, mas não sei exactamente a fazer o quê, embora pretenda estudar. É como se me resumissem em traços largos a história da minha vida, mas o resumo se limitasse à enumeração sucinta dos momentos de avanço da narrativa. Como vão concretamente decorrer e tudo o que medeia cada um deles está envolto numa nebulosa. Tudo ficou deixado à imaginação do autor. Mas de um autor que me é estranho e que trabalha à minha revelia. Um autor imprevisível, de que não conheço o estilo de escrita nem as coordenadas mais relevantes do perfil literário.
Nem sei se valeria a pena conhecer. Duvido mesmo que pudesse ser útil saber de antemão tudo o que nos vai acontecer se conservássemos esta exígua capacidade de intervenção nos nossos percursos, de que hoje dispomos.
Entre os nossos projectos e a realidade interpõe-se tanta coisa que às vezes é difícil acreditar que eles algum dia possam conhecer a concretização. Dir-se-ia que é uma questão de carisma, de persistência ou de determinação. Acrescento que, mais do que isso, é uma questão de sorte. E a sorte não se constrói nem se explica racionalmente, a sorte não se procura nem se domina embora socialmente seja agradável dizer o contrário. A sorte, tem-se ou não se tem. E se não se tiver, pouco ou nada há a fazer além de lamentar a sua ausência e jogar com os trunfos que nos restam.
O principal defeito da consciência humana é a necessidade de evolução. Quando somos crianças o mundo à nossa volta pinta-se de cores simples e arruma-se em tons bipolares: há o mau e o bom, o que queremos e o que não queremos, o que gostamos e o que temos que suportar. E tudo se resume a isto: as pessoas são o que parecem, as coisas o que demonstram e tudo o resto são devaneios dos adultos. Lentamente, vamos percebendo que essa suposta bipolaridade tem mais consistência teórica do que aplicabilidade prática. Num mundo onde predominam as «categorias intermédias» ninguém é em absoluto mau ou bom, generoso ou execrável, inteligente ou incapaz. Todos representam um papel e na maioria das vezes representam até mais do que um. Representam vários papéis consoante o ambiente onde se insiram, as pessoas com que se relacionam e a mensagem que pretendam passar. O marketing é a essência do sucesso, e no que todos têm que apostar é mais no parecer do que no ser.
A evolução da consciência representa também uma nova forma de nos relacionarmos com nós próprios e com os que de mais perto nos rodeiam. A cada estádio de evolução conseguimos interpretar o nosso meio de forma mais fidedigna e próxima da realidade. Mas vamo-nos tornando menos líricos, menos idealistas, mais conformados.
Nem sempre vivemos com dúvidas. Há uma fase, uma fase relativamente longa da nossa vida, em que o essencial são certezas, mesmo que de curta duração. Sabemos de quem gostamos e de quem não gostamos. Até sabemos, às vezes em detalhe, o que nos vai acontecer, com uma capacidade prospectiva que frequentemente vê muitos anos adiante.
Não interessa a força dessas certezas, não interessa se daqui a instantes se venham a quebrar ou se somos nós próprios que, com a convicção com que as proclamávamos, as metemos na gaveta. O que interessa é a segurança que elas trazem. E a segurança é um património de tranquilidade, que infelizmente se perde com a evolução.
Quanto a mim, já substitui tantas vezes as minhas certezas por outras novas que já não tenho o que pôr no lugar das dúvidas.
Não sei se toda a gente pensa assim. Provavelmente há quem continue a ter as suas certezas intactas, deve haver quem nunca tenha precisado delas e sempre tenha convivido bem com as dúvidas. Ou até, suponho, quem nunca pensou sobre o assunto.
Estou, simplesmente, a fazer um exercício de generalização. Mesmo sabendo que os exercícios de generalização são perigosos. Perigosos e de duvidosa utilidade. Mas o blogue também não se subordina a nenhuma necessidade de divulgar o útil e, se subordinasse, este texto nunca veria a luz do dia.
Felicidade (i)
A felicidade situa-se necessariamente no passado. Só sabemos que fomos felizes depois de o termos sido.
Um cargo para Santana
A política em Portugal não é para ser levada a sério. E de facto não o é, nem pelo cidadão comum, nem pelos principais partidos do regime que, sistematicamente, em período eleitoral, nos confrontam com candidatos que não podem deixar de ser considerados uma piada.
O DN de hoje noticia a oficialização da candidatura de Pedro Santana Lopes à CML. Podia ser apenas mais do mesmo, mas é bem mais grave do que isso: é uma candidatura reveladora do estado de desertificação e escassez de valores políticos a que chegou o PSD, que, quase dois anos depois de ter perdido a liderança da maior autarquia do país por comportamentos menos ortodoxos dos candidatos que apoiou, procura reconquistá-la com a personalidade que inspira menos seriedade da vida política nacional.
Santana Lopes não tem uma ideia ou um projecto para o que quer que seja, porque não desempenha nenhuma função por motivação pessoal ou política mas porque vive da política partidária e das funções públicas, e não se lhe conhece nenhuma outra actividade profissional relevante para além desta. Assim partiu em 97 para a Figueira-da-Foz, para depois regressar à capital em 2001. Assim abandonou Lisboa e zarpou para o Governo, onde lhe pareceu esperá-lo posição mais conveniente, no Verão de 2004. E assim regressou novamente alguns meses depois, corrido de S. Bento por uma dissolução parlamentar, para aproveitar “um lugar” para onde tinha sido eleito, e porque, acima de tudo, não podia ser um cidadão comum.
O Verão da criminalidade
Este foi o Verão da criminalidade, assim como o Verão passado foi do caso Maddie e os anteriores dos incêndios florestais. Até aqui nada de novo: ciclicamente a comunicação social concentra-se num tema capaz de prender as atenções mediáticas e explora-o, detalhadamente, até à exaustão. Em tempo de férias, sem as polémicas do campeonato de futebol e com a actividade política suspensa, esta tendência é muito mais intensa, e, quando não morre ninguém digno de crédito ou não se tem notícia de nenhuma catástrofe, o tema de eleição ocupa, quase na totalidade, o espaço reservado aos telejornais.
A novidade é que, graças à exploração abusiva dos episódios de criminalidade violenta conhecidos nos últimos tempos, há agora nas ruas uma sensação de insegurança, de medo. Uma sensação de descrédito da justiça e das autoridades policiais que as medidas anunciadas pelo governo e pelo PGR não foram capazes de debelar.
Há uma percepção generalizada de que o sistema penal português é frágil e complacente, que as autoridades policiais actuam de forma descoordenada e ineficiente, que o enquadramento legislativo não é eficaz.
Sabe-se que estaticamente alguns tipos de crimes aumentaram – o carjacking por exemplo, o que pode não deixar de ser, como bem notou um colega de blog, um sinal de adaptação do próprio crime aos dispositivos anti-roubo que equipam o parque automóvel mais recente, impossibilitando a conhecida técnica da “ligação directa”. Mas os dados disponíveis estão longe de acusar as tendências de surto criminoso que a cobertura mediática tem desenhado.
A segurança é um direito dos cidadãos contra o Estado, que reclama uma concretização máxima, só possível com medidas mais inteligentes e preparadas e com um poder político que saiba reconhecer os seus erros e corrigi-los atempadamente.
Mas é preciso nunca se perder o equilíbrio entre a segurança e a liberdade, o direito de punir e o respeito pela esfera privada dos indivíduos, sob pena de se cair, como reclama o discurso político da extrema-direita, num clima de “caça às bruxas”, com um poder político militarizado e autoridades policiais “musculadas”, violentas e xenófobas.
Deve distinguir-se o combate ao crime, que se faz de policiamento de proximidade e de autoridades bem equipadas e treinadas, da prevenção – feita de leis penais eficazes e dissuasoras, preventivas, mas, sobretudo, do diagnóstico dos factores criminógenos (como hoje sabemos que são o abandono escolar e os modelos de realojamento ineficientes) e da sua superação.
Pelo lado da comunicação social, há que perceber que este não é um tema que possa ser tratado com a displicência ou a ligeireza com que se exploram os escândalos financeiros e sexuais ou as polémicas desportivas. É um tema que comporta dados que devem permanecer sigilosos para serem eficazes, e que bule directamente com os receios e as expectativas dos cidadãos. Em suma, seria necessária uma comunicação social responsável o que todos sabemos, que na sociedade de vale tudo a que chegámos, talvez seja pedir demais.
Tensão Institucional
A rentrée política deste ano trouxe, para além de habitual troca de acusações entre partido do governo e oposição, uma novidade mediática: a anunciada crise institucional entre S. Bento e Belém, alegadamente despoletada pelo veto político de Cavaco ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, e entusiasticamente amplificada pela comunicação social nos últimos dias.
Ao contrário do que se costuma dizer, Portugal não é um país de brandos costumes, não se dá bem com a tranquilidade e não quer que a estabilidade vá além dos programas teóricos ou dos discursos de campanha eleitoral. Do que todos gostamos é de barulho, de troca de acusações, de apontar culpados, pedir cabeças, e depois vê-las rolar decapitadas, com um prazerzinho sanguinário.
Com efeito, há muito que aguardávamos expectantes a primeira escaramuça institucional desta coabitação que já se temia insipidamente pacífica e cooperante. Ei-la, a propósito de um tema que está longe de ser estruturante: Cavaco, sedento de marcar terreno depois de mais de dois anos de cooperação silenciosa, puxou pelos galões na inoportuna comunicação ao país de Julho passado; o PS, por seu turno, insiste em não deixar cair a pleonástica audição do Presidente do Governo Regional, em sede de dissolução do Parlamento Regional, e permitiu que Carlos César viesse a público, desastradamente, falar em chantagens e insinuar uma confirmação parlamentar em caso de aposição de novo veto.
Estão assim fechados os contornos de um cenário de “medição de forças” entre Presidente da República e maioria parlamentar, habitual destas conjunturas políticas, e, por isso mesmo, pouco preocupante.
O episódio não vale por si mesmo. Vale pelo que nos permite prever quanto à evolução futura das relações institucionais entre o governo e Belém. Desde o início sabíamos que o remanso dos primeiros tempos do mandato presidencial era estratégico e que Cavaco, depois de uma campanha e de um discurso de posse onde denunciou uma tónica intervencionista, não se arriscaria a ficar para a História como um presidente mais normalizador que o próprio Sampaio.
Conhecíamos além disso, os planos que alguns dos apoiantes mais próximos faziam para esta magistratura – aguentar o governo o tempo necessário para que o PSD se fortalecesse na oposição e depois aproveitar uma crise política para acenar com a dissolução, marcar eleições e fazer o partido regressar ao poder, com um líder mais prometedor que Marques Mendes ou Menezes e depois de estes terem aguentado os tempos quentes da travessia no deserto.
Resta-nos agora saber, que tipo de intervenção o próprio decide seguir: a via mais revanchista protagonizada por alguns apoiantes? ou a via de um mero Presidente participativo? Ambas terão os seus custos, e, se escolher a segunda, Cavaco arrisca-se a ficar conhecido como um dos piores Presidentes da IIIª Republica, um dos que menos entendeu o sentido da independência associado ao exercício deste tipo de funções, e assim, ironicamente, igualar Mário Soares, que acusava de “força de bloqueio” no período final da primeira coabitação.
A fraude - primeira parte
Vivemos numa sociedade de eficiência, obcecados pelos resultados. E, quando a realidade não permite produzi-los, forjam-se.
O crédito fácil dá-nos, temporariamente, a ilusão de que somos milionários, os noticiários televisivos povoam-nos o imaginário de cenas épicas e o logro que grassa no sistema de ensino faz-nos acreditar que estamos a produzir alunos geniais.
Tudo à nossa volta se resume à estatística e ao resultado. Mesmo que esse resultado seja uma fraude.
Crónicas de uma auto-condenação antecipada
A melhor maneira de acabar com um mito é deixá-lo tornar-se realidade. E na vida política esta máxima adquire um sentido peculiar, documentado em experiências concretas recentes e ainda na memória de todos.
Com efeito, foi assim com Santana Lopes e Paulo Portas, quando se lhes deu a oportunidade de chegarem ao governo; provavelmente assim será com José Mourinho, quando (e se) chegar a ser treinador da selecção nacional de futebol. E assim está a ser com Manuela Ferreira Leite na presidência do PSD.
Apontada há anos, por muitos sectores do partido, como uma espécie de «salvadora vaticinada», à medida da liderança, por diversas vezes teve o cargo de Presidente do partido à distância de um passo, que nunca deu (provavelmente por saber que as suas reais capacidades não correspondiam às expectativas). Mas caiu agora (se bem que com pouco entusiasmo) na tentação de “lançar-se na boca do lobo” e acabar a sua carreira política (não particularmente povoada de sucessos) de uma forma, no mínimo, pouco cómoda.
Mal ganhou o Congresso, Ferreira Leite, com a mesma passividade e falta de esforço que empregou na conquista do partido, encarregou-se de desmitificar as suas qualidades de líder deixando claro que não tem muito a oferecer ao PSD do que nova derrota em 2009.
De entre o discurso vago, repetitivo, a destilar de suposto rigor financeiro, mas vazio de ideias, destacam-se, algumas nuances radicais, de austeridade eclesiástica, ideais para um Totalitarismo assente no culto do líder, mas desastrosas numa Democracia Mediática. Nuances essas que, com dez anos de atraso, o próprio Cavaco aprendeu a corrigir.
Depois da infeliz afirmação da sua concepção de um casamento “funcionalizado à procriação”, foram agora públicas as preocupações que demonstrou, na sua entrevista ao Expresso desta semana, em não ser fotografada a sorrir “ou de perna traçada”.
Ora, além de infelizes, estas recomendações são reveladoras da mais primária falta de bom senso político. Uma falta que já a condenou à derrota, mesmo estando as eleições uma distância de quase um ano.
O sacrifício de Ferreira Leite
Há pelo menos duas maneiras de um líder, recém-eleito, ganhar verdadeiramente o partido. Uma enfática, emotiva, retórica, galvanizadora no discurso e ambiciosa nos objectivos internos, apesar de estéril em ideias concretas e outra ideológica, programática, fértil em projectos e onde se denota uma “linha de rumo” para o país, mais ou menos consensual, mais ou menos exequível.
Manuela Ferreira Leite, talvez segura dos resultados que obteve nas directas, escolheu precisamente aquela que dificilmente a levará ao sucesso: um discurso plácido, tímido, em tom de conferência, povoado de generalidades mas vazio de objectivos, internos e externos, a médio ou longo prazo.
Ganhar as legislativas de 2009 é o sacrifício que Ferreira Leite se impôs a si própria, embora, ao que parece, não esteja particularmente entusiasmada em consegui-lo. E enquanto assim continuar, parece-me que se aproxima, a passos largos, um dos ciclos políticos mais complexos da nossa vida democrática: um ciclo com uma vitória estéril do PS, sem maioria, um PSD acantonado para a casa dos 20 ou 30% e a extrema-esquerda, florescente em resultados que lhe permitirão elevar o tom do discurso contestatário habitual, e dar o grande contributo à governação a que sempre nos tem habituado desde o 25 de Abril: a oposição, a crítica inconsistente e despovoada de alternativas, o incentivo à barafunda de rua, à ingovernabilidade.
Do PSD não há muito a esperar (como não houve nos últimos anos). Cabe agora ao PS, inverter o rumo do auto-fascínio pela sua governação e pelo seu estilo, da propaganda efusiva de resultados de dimensão microscópica, para se centrar, com rigor, nos problemas do país e admitir as suas fragilidades. Esperemos que seja capaz.