Vicarious Liability
sábado, outubro 11, 2008
  Prospecção
Às vezes pergunto-me o que é que estarei a fazer daqui a 1 ano, a uma década, como é que serei quando tiver 30 ou 40 anos e no que me terei transformado.

O futuro é uma incerteza. E nesta constatação mais ou menos evidente, quase banal, esconde-se uma lógica perturbadora na qual insistimos em não reparar. Nada é certo, ou sequer previsível. Para nada nos podemos preparar com o mínimo de segurança, com a convicção de que não seremos confrontados com o inesperado nem teremos de lidar com o imprevisível. O curto prazo é mais facilmente arrumado nos limites da previsibilidade, porém, nem assim nos isenta de surpresas, de sucessos inesperados ou de desilusões.

Acredito que amanhã vou ficar em casa, que segunda-feira vou acordar cedo, com uma expressão ensonada, para ir para a faculdade, e que daqui a dois ou três meses ainda estarei em aulas ou talvez em exames. Mas em rigor não sei se é assim que as coisas se vão passar. E mesmo que seja, o que posso prever limita-se a categorias gerais. Prevejo que vou para as aulas, mas não sei como vão decorrer. Que vou fazer exames, mas desconheço os resultados ou os assuntos sobre os quais serei testado (naturalmente, não teria muita lógica a avaliação se os conhecesse, se é que ainda lhe resta alguma). Que fico em casa, mas não sei exactamente a fazer o quê, embora pretenda estudar. É como se me resumissem em traços largos a história da minha vida, mas o resumo se limitasse à enumeração sucinta dos momentos de avanço da narrativa. Como vão concretamente decorrer e tudo o que medeia cada um deles está envolto numa nebulosa. Tudo ficou deixado à imaginação do autor. Mas de um autor que me é estranho e que trabalha à minha revelia. Um autor imprevisível, de que não conheço o estilo de escrita nem as coordenadas mais relevantes do perfil literário.

Nem sei se valeria a pena conhecer. Duvido mesmo que pudesse ser útil saber de antemão tudo o que nos vai acontecer se conservássemos esta exígua capacidade de intervenção nos nossos percursos, de que hoje dispomos.

Entre os nossos projectos e a realidade interpõe-se tanta coisa que às vezes é difícil acreditar que eles algum dia possam conhecer a concretização. Dir-se-ia que é uma questão de carisma, de persistência ou de determinação. Acrescento que, mais do que isso, é uma questão de sorte. E a sorte não se constrói nem se explica racionalmente, a sorte não se procura nem se domina embora socialmente seja agradável dizer o contrário. A sorte, tem-se ou não se tem. E se não se tiver, pouco ou nada há a fazer além de lamentar a sua ausência e jogar com os trunfos que nos restam.

O principal defeito da consciência humana é a necessidade de evolução. Quando somos crianças o mundo à nossa volta pinta-se de cores simples e arruma-se em tons bipolares: há o mau e o bom, o que queremos e o que não queremos, o que gostamos e o que temos que suportar. E tudo se resume a isto: as pessoas são o que parecem, as coisas o que demonstram e tudo o resto são devaneios dos adultos. Lentamente, vamos percebendo que essa suposta bipolaridade tem mais consistência teórica do que aplicabilidade prática. Num mundo onde predominam as «categorias intermédias» ninguém é em absoluto mau ou bom, generoso ou execrável, inteligente ou incapaz. Todos representam um papel e na maioria das vezes representam até mais do que um. Representam vários papéis consoante o ambiente onde se insiram, as pessoas com que se relacionam e a mensagem que pretendam passar. O marketing é a essência do sucesso, e no que todos têm que apostar é mais no parecer do que no ser.

A evolução da consciência representa também uma nova forma de nos relacionarmos com nós próprios e com os que de mais perto nos rodeiam. A cada estádio de evolução conseguimos interpretar o nosso meio de forma mais fidedigna e próxima da realidade. Mas vamo-nos tornando menos líricos, menos idealistas, mais conformados.

Nem sempre vivemos com dúvidas. Há uma fase, uma fase relativamente longa da nossa vida, em que o essencial são certezas, mesmo que de curta duração. Sabemos de quem gostamos e de quem não gostamos. Até sabemos, às vezes em detalhe, o que nos vai acontecer, com uma capacidade prospectiva que frequentemente vê muitos anos adiante.

Não interessa a força dessas certezas, não interessa se daqui a instantes se venham a quebrar ou se somos nós próprios que, com a convicção com que as proclamávamos, as metemos na gaveta. O que interessa é a segurança que elas trazem. E a segurança é um património de tranquilidade, que infelizmente se perde com a evolução.
Quanto a mim, já substitui tantas vezes as minhas certezas por outras novas que já não tenho o que pôr no lugar das dúvidas.

Não sei se toda a gente pensa assim. Provavelmente há quem continue a ter as suas certezas intactas, deve haver quem nunca tenha precisado delas e sempre tenha convivido bem com as dúvidas. Ou até, suponho, quem nunca pensou sobre o assunto.

Estou, simplesmente, a fazer um exercício de generalização. Mesmo sabendo que os exercícios de generalização são perigosos. Perigosos e de duvidosa utilidade. Mas o blogue também não se subordina a nenhuma necessidade de divulgar o útil e, se subordinasse, este texto nunca veria a luz do dia.
 
Comentários:
Certezas, dúvidas... umas passam, outras regressam, outras concretizam,-se, outras acabam esquecidas...
O teu texto demonstra um tom saudosista, mas gostei do tema e da forma como o abordaste!
Vou contar-te um segredo: talvez te faça sentir mais confortável:
- Eu só tenho uma única certeza - é que não tenho certezas absolutas!
Pois é, tudo é uma incógnita, nunca poderemos saber como irá correr um ou outro acontecimento antecipadamente, nem sequer o que depende de nós!
Marianne
 
concordo com quase tudo menos com que a sorte é inata.E com um simples exemplo já mais seras contemplado com a lotaria se não adquerires a cautela,isto aplica-se a vida que a sorte procurasse
 
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