Um Apelo à Serenidade
Já Maquiavel recomendava ao Príncipe, na sua obra dedicada a Lourenço de Medicis, que constitui o primeiro grande contributo moderno para o estudo da Ciência Política: delegar as tarefas impopulares nos colaboradores, para que, depois destes as executarem, o Príncipe possa afastá-los de funções e não ver a sua imagem associada a medidas desagradáveis.
A ideia da remissão da responsabilidade para terceiros, tem acompanhado a História da actividade política ao longo dos séculos e é uma estratégia ainda hoje recorrente em Democracia: as oposições empurram a responsabilidade para o poder, este devolve-a aos governantes cessantes, e aqueles, quando podem defender-se, acusam quem lhes sucedeu de ter desbaratado a herança e falhado todas as promessas.
Do ponto de vista governativo, o passado recente documenta exemplos de Ministros apontados como bodes expiatórios de escândalos incómodos para os seus governos, e afastados de funções em nome da necessidade sanguinária de ver “rolar uma cabeça” que alimenta a opinião pública. Uma opinião pública cega na sua voracidade de encontrar alguém para penalizar, para com o sacrifício reconfortar o seu ego e se convencer que também teve um papel a desempenhar na marcha dos acontecimentos, que teve uma palavra a dizer, mesmo que solenemente ignorada ou irrelevante.
Não discutimos ideias, criticamos pessoas. Não exigimos o fim daquilo que nos incomoda, limitamo-nos a pedir a cabeça de quem teve a ideia de pô-lo em prática. E no fim de tudo, ou a reforma incómoda já está executada e não há o que mudar, ou o sangue do sacrificado basta para que o seu sucessor possa fazer tranquilamente aquilo que antes toda a gente contestava.
Isto tudo para dizer que José Sócrates não pode cometer, com a Ministra da Educação, o erro lamentável que cometeu há um ano com Correia de Campos - demiti-la para a responsabilizar pela crise, e limpar a sua imagem na esperança de um bom resultado eleitoral. A resolução da crise que actualmente opõe o Governo aos docentes, ameaçando a estabilidade necessária para as reformas urgentes reclamadas pelo sector educativo, não passa por encontrar-se um culpado a sacrificar, para acalmar as multidões e depois ficar tudo na mesma.
É necessária serenidade para negociar, humildade democrática para se admitir os erros, e sentido de Estado, de parte a parte, para se reconhecer que estão em causa interesses bem mais importantes do que os interesses próprios de cada um dos envolvidos, que aconselham um diálogo de transacções e cedências mútuas, em nome de valores maiores que a sociedade não pode deixar de exigir que se levem em conta.
Numa Democracia desenvolvida, os governos não caem nem se remodelam ao sabor de manifestações de rua. Mas também não gerem a sua relação com o povo (mais autoritária, ou mais dialogante) em função dos ciclos eleitorais, nem se arrogam em intérpretes exclusivos do interesse público, fechados a opiniões contrárias.
Qualquer pessoa que queira, com seriedade, debater este assunto, está de acordo que tem que haver avaliação nas Escolas. Como no Ensino Superior, na Administração Pública ou nas relações laborais privadas. Avaliar é a única forma de distinguir quem se esforça de quem se arrasta no exercício das suas funções; é a única forma de premiar o mérito e penalizar o absentismo e a displicência. E qualquer avaliação rigorosa há-de necessariamente distribuir as pessoas por categorias diferentes, porque as pessoas em si também são diferentes, em mérito, empenho e formação, e não podem tornar-se “iguais por decreto”, por benevolência ou medo da contestação.
Mas, quando sistematicamente se emenda a mão e adia a institucionalização do quer que seja, é porque o trabalho de preparação não foi feito correctamente, e deixou-se passar para a fase de execução erros estruturais que não podem depois deixar de ser corrigidos.
Toda a gente já compreendeu que o governo falhou na escolha do processo de avaliação. Por pressa, por irreflexão, por contenção de custos, concebeu um modelo inoperacional e incompatível com os objectivos de excelência que tinha delineado para o sector. Assim como tem falhado na fúria estatística de produzir bons resultados, e nas recentes alterações do Estatuto do Aluno, concebidas de forma irracional e inconsequente.
Mas isso não significa que a partir daqui tudo seja permitido. Greves de alunos, mais preocupados em encontrar um expediente para faltar às aulas do que consciencializados da dimensão do direito que pretendem exercer (e que, de resto, não lhes assiste), chuvas de ovos e insultos, disparates. A algazarra de rua é uma perda de tempo fatal em países que, como o nosso, precisam de estabilidade e consenso para se porem em prática as reformas necessárias ao progresso.
E todos os que optarem pela violência, pela arrogância, pelo insulto ou pelo simples aproveitamento político barato de um problema grave, estão a dar um mau contributo à resolução do problema e a prestar um péssimo serviço à Democracia.
É imperioso que os ânimos serenem e que, tranquilamente, o governo e os envolvidos (sindicatos ou outros representantes) se sentem à mesa para procurar uma solução, comparando modelos alternativos, diagnosticando os seus problemas, se necessário começando tudo de novo.
Gaste-se o tempo necessário, não há que temer o dialogo nem a preparção das reformas. O que se deve temer são as más reformas.