Sobre as trapalhadas de Manuela Ferreira Leite...
... escreve Filipe Luís na Visão desta semana que “ o desabafo deve ser integrado no contexto e não deve ser empolado. Mas eu, como eleitor, considero preferível um candidato que dê garantias, não só de agir, mas de pensar como um verdadeiro democrata. (…) Os tiques de um político sem genes democráticos vêm sempre ao de cima, em momentos de crise”.
Eu próprio não comentaria melhor. E como não o faria, não me resta muito mais que remeter para a lúcida crónica aqui citada, e acrescentar um ou dois apontamentos pessoais, com os quais talvez o autor não concorde, mas que me parecem absolutamente fundamentais.
Desde logo referir que, apelidar de “ironia” a desastrada referência da Presidente do PSD à possibilidade de “suspensão da Democracia” é um eufemismo, demasiado generoso para quem tem a formação académica e a experiência política necessárias para saber exprimir-se correctamente, e que, provavelmente, não seria concedido a outro dirigente político que proferisse tão sonoro disparate.
É óbvio que Ferreira Leite não quis dizer exactamente o que disse. Mas isso não significa que não o tenha pensado, que não se limite a apenas suportar a Democracia como um regime meramente sofrível que se pode pôr de lado na primeira oportunidade, se razões atendíveis o determinarem.
Avessa à exposição pública e com um percurso que lhe tem permitido seleccionar muito bem o timing e o conteúdo das suas intervenções, para não se trair, Ferreira Leite, escondeu todo este tempo o seu entendimento sobre como deve ser o poder político, para agora revelá-lo aos poucos, implicitamente, nas curtas declarações que faz para quebrar um silêncio precioso para quem tem um pensamento contrário ao sistema onde pretende singrar e pouca capacidade para ocultá-lo quando fala.
Nesse entendimento, como a própria revelou, o casamento é um mero instrumento de procriação, a liberdade de expressão pode ser coarctada quando é incómoda e os imigrantes são referidos com menos deferência, como Seres suspeitos de roubar os postos de trabalho dos cidadãos nacionais e ameaçar a desejada “ordem” do Estado, que uma polícia, bem armada para não “fazer figura de palhaça”, se encarregaria de manter a todo o custo.
Esta constatação, que a mim e a outros verdadeiros Democratas, talvez possa incomodar, não é, no entanto, uma novidade. Dezenas de dirigentes dos principais partidos políticos nacionais, agentes mais directos da Democracia, são, na realidade, avessos a este Regime, sem nunca o terem declarado.
Apesar disso fazem parte do jogo político, porque é nele que saciam a sua ambição de poder, ou simplesmente atingem os lugares certos para ter os contactos e as oportunidades necessárias para fazer parte dos esquemas e das grandes redes de influência, e assim melhorar de vida de uma forma tão cómodo e tão rápida que os que ficam de fora não conseguem imaginar.
Não sou tão utópico ao ponto de acreditar que as pessoas são coerentes, e que, como tal, quando não se revêem numa ideia ou numa instituição, se afastam dela e tentam contrariá-la, não fazem parte do status quo porque é mais prático ou porque querem tirar proveitos.
Simplesmente gostaria de sublinhar que a Democracia, regime que muitos pensam ser uma conquista irreversível, é na verdade o mais vulnerável de todos …