Vicarious Liability
terça-feira, setembro 16, 2008
  O Verão da criminalidade
Este foi o Verão da criminalidade, assim como o Verão passado foi do caso Maddie e os anteriores dos incêndios florestais. Até aqui nada de novo: ciclicamente a comunicação social concentra-se num tema capaz de prender as atenções mediáticas e explora-o, detalhadamente, até à exaustão. Em tempo de férias, sem as polémicas do campeonato de futebol e com a actividade política suspensa, esta tendência é muito mais intensa, e, quando não morre ninguém digno de crédito ou não se tem notícia de nenhuma catástrofe, o tema de eleição ocupa, quase na totalidade, o espaço reservado aos telejornais.

A novidade é que, graças à exploração abusiva dos episódios de criminalidade violenta conhecidos nos últimos tempos, há agora nas ruas uma sensação de insegurança, de medo. Uma sensação de descrédito da justiça e das autoridades policiais que as medidas anunciadas pelo governo e pelo PGR não foram capazes de debelar.

Há uma percepção generalizada de que o sistema penal português é frágil e complacente, que as autoridades policiais actuam de forma descoordenada e ineficiente, que o enquadramento legislativo não é eficaz.

Sabe-se que estaticamente alguns tipos de crimes aumentaram – o carjacking por exemplo, o que pode não deixar de ser, como bem notou um colega de blog, um sinal de adaptação do próprio crime aos dispositivos anti-roubo que equipam o parque automóvel mais recente, impossibilitando a conhecida técnica da “ligação directa”. Mas os dados disponíveis estão longe de acusar as tendências de surto criminoso que a cobertura mediática tem desenhado.

A segurança é um direito dos cidadãos contra o Estado, que reclama uma concretização máxima, só possível com medidas mais inteligentes e preparadas e com um poder político que saiba reconhecer os seus erros e corrigi-los atempadamente.

Mas é preciso nunca se perder o equilíbrio entre a segurança e a liberdade, o direito de punir e o respeito pela esfera privada dos indivíduos, sob pena de se cair, como reclama o discurso político da extrema-direita, num clima de “caça às bruxas”, com um poder político militarizado e autoridades policiais “musculadas”, violentas e xenófobas.

Deve distinguir-se o combate ao crime, que se faz de policiamento de proximidade e de autoridades bem equipadas e treinadas, da prevenção – feita de leis penais eficazes e dissuasoras, preventivas, mas, sobretudo, do diagnóstico dos factores criminógenos (como hoje sabemos que são o abandono escolar e os modelos de realojamento ineficientes) e da sua superação.

Pelo lado da comunicação social, há que perceber que este não é um tema que possa ser tratado com a displicência ou a ligeireza com que se exploram os escândalos financeiros e sexuais ou as polémicas desportivas. É um tema que comporta dados que devem permanecer sigilosos para serem eficazes, e que bule directamente com os receios e as expectativas dos cidadãos. Em suma, seria necessária uma comunicação social responsável o que todos sabemos, que na sociedade de vale tudo a que chegámos, talvez seja pedir demais.
 
Comentários:
Infelizmente, os crimes estão a aumentar "a olhos vistos", tanto faz a imprensa aproveitar-se ou não da situação!
Concordo com a tua mensagem, mas vou acrescentar um ponto que me parece muito importante: os criminosos já não cumprem toda a sua pena "dentro" da prisão, são colocados cá fora (por motivos económicos, é claro: assim o Estato não terá de lhes dar "cama e mesa" e sempre pode "deitar abaixo" algumas instituições prisionais e despedir alguns guardas).
No entanto, muitos esquecem que estes criminosos "reabilitados" não têm habilitações, não sabem fazer mais nada senão roubar (e matar quem lhes oferecer resistência ou tenha o azar de estar no sítio errado, na hora errada). Não têm trabalho e a família pode não querer, ou não poder sustentar malandros!
Agora, pergunto eu, como é que eles poderão sobreviver?
Respondo também: voltando a roubar para sobrevirerem e para pagar os vícios! E desgraçado daquele que se cruze com eles!
Talvez fosse bom e útil que a comunicação social contasse as "histórias", mas dissesse exactamente qual foi a condenação, realmente cumprida pelo respectivo delito! Talvez, os jovens começassem a creditar que o crime não compensa!
Marianne
 
Se a comunicação social contasse as histórias referindo a pena cumprida pelo delito, aí é que os jovens passavam a acreditar com mais convicção que o crime compensa! Ainda bem que fica calada sobre esse aspecto, aliás, já fala demais.

Mas em relação a isso, há uma certa ideia errada. Portugal é dos países da Europa onde, em média, se passa mais tempo na cadeia e onde dura mais tempo a execução das penas. Noutros países como em Espanha ou na Alemanha onde nao existe o limite máximo de 25 anos de cadeia e qualquer pessoa pode, cumulativamente, ser condenada pelo tempo de prisão que correponder a cada crime provado (prefazendo penas de 100 ou 200 anos por exemplo, ou seja, prisão perpétua na prática) o sistema de acompanhamento da execução das penas é mais avançado e o condenado acaba por saír mais cedo, por exemplo cumprindo 10 ou 15 anos numa pena de 20 ou 30.

O caso recente do canibal alemão que gerou muita polémica é um bom exemplo disso: foi sujeito a testes psicológicos e de acompanhamento e acredita-se que possa saír da cadeia ao fim de 9/10anos (não sei a quanto tempo foi condenado, mas tenho ideia que teria sido a mais de 30).

A solução não é o tempo que se passa na cadeia, até porque toda a gente sabe que a cadeia tem efeitos criminógenos: ou seja, na maior parte dos casos, intensifica tendências criminosas. A solução passa por tentar distinguir-se, com o rigor possível, dois tipos de grupos de pessoas: os que se arrependenderam, que já não se revêem no acto perpetrado (ou enventualmente nunca se reviram, como sejam os casos de crimes cometidos em "defesa" não coberta pelos pressupostos de nenbuma causa de justificação ou por negligência) ou pelo menos estão em condições de ser reintegrados na sociedade sem representarem uma ameaça e os que nunca conseguirão atingir esse estádio.

Em relação a esses, não me parece que faça sentido que a cadeia funcione como uma espécie de "arquivo" onde são "arrumados" para proteger a sociedade. Em relação a esses, em função da gravidade do crime (exº homicídios) e da certeza que a prova produzida dê que ele foi relamente perpetrado, começa-me a fazer sentido a pena de morte. Ainda que seja inconstitucional.
 
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