Tensão Institucional
A rentrée política deste ano trouxe, para além de habitual troca de acusações entre partido do governo e oposição, uma novidade mediática: a anunciada crise institucional entre S. Bento e Belém, alegadamente despoletada pelo veto político de Cavaco ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, e entusiasticamente amplificada pela comunicação social nos últimos dias.
Ao contrário do que se costuma dizer, Portugal não é um país de brandos costumes, não se dá bem com a tranquilidade e não quer que a estabilidade vá além dos programas teóricos ou dos discursos de campanha eleitoral. Do que todos gostamos é de barulho, de troca de acusações, de apontar culpados, pedir cabeças, e depois vê-las rolar decapitadas, com um prazerzinho sanguinário.
Com efeito, há muito que aguardávamos expectantes a primeira escaramuça institucional desta coabitação que já se temia insipidamente pacífica e cooperante. Ei-la, a propósito de um tema que está longe de ser estruturante: Cavaco, sedento de marcar terreno depois de mais de dois anos de cooperação silenciosa, puxou pelos galões na inoportuna comunicação ao país de Julho passado; o PS, por seu turno, insiste em não deixar cair a pleonástica audição do Presidente do Governo Regional, em sede de dissolução do Parlamento Regional, e permitiu que Carlos César viesse a público, desastradamente, falar em chantagens e insinuar uma confirmação parlamentar em caso de aposição de novo veto.
Estão assim fechados os contornos de um cenário de “medição de forças” entre Presidente da República e maioria parlamentar, habitual destas conjunturas políticas, e, por isso mesmo, pouco preocupante.
O episódio não vale por si mesmo. Vale pelo que nos permite prever quanto à evolução futura das relações institucionais entre o governo e Belém. Desde o início sabíamos que o remanso dos primeiros tempos do mandato presidencial era estratégico e que Cavaco, depois de uma campanha e de um discurso de posse onde denunciou uma tónica intervencionista, não se arriscaria a ficar para a História como um presidente mais normalizador que o próprio Sampaio.
Conhecíamos além disso, os planos que alguns dos apoiantes mais próximos faziam para esta magistratura – aguentar o governo o tempo necessário para que o PSD se fortalecesse na oposição e depois aproveitar uma crise política para acenar com a dissolução, marcar eleições e fazer o partido regressar ao poder, com um líder mais prometedor que Marques Mendes ou Menezes e depois de estes terem aguentado os tempos quentes da travessia no deserto.
Resta-nos agora saber, que tipo de intervenção o próprio decide seguir: a via mais revanchista protagonizada por alguns apoiantes? ou a via de um mero Presidente participativo? Ambas terão os seus custos, e, se escolher a segunda, Cavaco arrisca-se a ficar conhecido como um dos piores Presidentes da IIIª Republica, um dos que menos entendeu o sentido da independência associado ao exercício deste tipo de funções, e assim, ironicamente, igualar Mário Soares, que acusava de “força de bloqueio” no período final da primeira coabitação.