Vicarious Liability
sábado, outubro 27, 2007
  De Novo a Integração Europeia
O que deve preocupar-nos verdadeiramente na questão do Tratado de Lisboa e na evolução federalizante da integração Europeia, não é a imagem internacional de Portugal (que não muda rigorosamente nada depois deste êxito diplomático), nem o mito dos nacionalismos perdidos.

O que deve preocupar-nos é que, a Europa que hoje existe, e, em particular, a Europa que resultará do Tratado, é uma Europa construída nos bastidores, em segredo, de costas para as populações, mais ao sabor das necessidades de protagonismo dos dirigentes políticos que dos anseios das Comunidades. É uma Europa de burocracia e de gabinetes, de conferências diplomáticas, uma Europa distante dos cidadãos e de legitimidade democrática difusa. Que suportará, a prazo, as consequências inerentes a todos os grandes projectos conduzidos com precipitação.

A Comunidade Europeia constituída pelo Tratado de Roma, a primeira grande união de países do velho continente genuninamente nascida de um projecto de paz, se insistir em enfiar a cabeça na areia e passar indiferente às suas próprias contradições, arrisca-se a ser a causa de conflitos e tensões sociais agudas, do emergir dos Nacionalismos de extrema-direita e do agravar do fosso (cada vez mais distante) entre eleitores e eleitos, políticos e comunidade, que já vem caracterizando as Democracias Representativas Modernas.

Ao contrário do que supôs Fukuyama, a História não pode chegar ao fim, porque os protagonistas do presente insistem em não aprender com os erros que os seus antecessores cometeram no passado. E a Europa do Tratado de Lisboa, não está a contar com uma uma ideia elementar, particularmente nítida no seu passado recente: a de que qualquer projecto político (mesmo os Totalitarismos munidos de aparelhos repressivos especialmente refinados), só subsiste em dialéctica com a Comunidade.
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Cfr, a este propósito, mas mais interessante e irónico, o artigo de opinião de Pedro Lomba no DN desta quinta-feira.
 
domingo, outubro 21, 2007
  "Porreiro pá!"
Foram estas as doutas palavras que José Sócrates dirigiu a José Barroso após o anúncio de que finalmente vamos ter Tratado de Lisboa. Não sei se este realmente vai ser porreiro para o país, mas para quem quiser uma análise mais rigorosa no campo político e jurídico remeto para os textos do Ricardo, eu próprio não diria melhor. No entanto, gostava de acrescentar algumas considerações a este acontecimento:

· Vamos lá ter consciência, o tratado tinha que ser concluído agora, o facto de ter sido durante a presidência portuguesa foi um circunstancialismo temporal. E já que assim foi, foi falta de criatividade da presidência portuguesa reunir os ministros na capital, em vez de terras como Guimarães, Freixo de Espada à Cinta ou Carrazeda de Ansiães – finalmente podíamos gozar com os holandeses que nos obrigaram a dizer Maastricht durante tanto tempo.

· Quanto ao referendo, ironias à parte, não vale mesmo a pena fazê-lo. A afluência seria a mesma de sempre (ou ainda pior, visto que, de facto, poucos são aqueles que sabem o que está em causa neste tratado), pelo que não seria vinculativo; se o resultado fosse não, teria que haver outro referendo, e outro, e outro, até que as pessoas se apercebessem que a resposta “certa” era sim.

· Do conteúdo do Tratado, não conheço muito. Sabe-se que “lá” na Europa vão continuar a mandar cada vez mais, e “cá” cada vez menos: é este o sentimento do bonus pater familias português. E não se pode dizer que não tenha razão, só que é um bocadinho mais complicado que isso. Supostamente não devia existir “lá” e “cá”, devíamos ser todos uma família grande e feliz, mas a Europa nunca foi assim e não é agora que vai ser.


 
sábado, outubro 20, 2007
  O valor das palavras e o dos referendos
O primeiro-ministro José Sócrates terá afirmado, a propósito da aprovação do futuro Tratado Reformador das Instituições Europeias que uma intervenção do Parlamento não terá menos valor que um referendo.
A afirmação, forma inteligente de “empurrar com a barriga” a questão do referendo prometido a plenos pulmões na campanha para as legislativas de 2005, deixa claro que não há, por parte dos principais dirigentes políticos nacionais, a menor vontade de realizá-lo.
Há muito que se formou um consenso na elite que exerce o poder político (estranha designação numa forma de governo auto-proclamada de Democracia Representativa) sobre dois pontos essenciais:
- o primeiro é a inevitabilidade da Integração Europeia. Vista como um dogma, um objectivo indeclinável a prosseguir independentemente dos benefícios que a cada momento represente para o interesse nacional;
- o segundo, é o de que o povo não deve ser chamado a pronunciar-se sobre o assunto. Porque é demasiado inocente para interpretar o interesse nacional, porque ainda anda no infantário e vê os desenhos animados depois do lanche. Porque, não tem idade mental para entender as maravilhas da integração europeia, e, se lhe perguntarem se concorda ou não com ela, coitadinho, pode dar alguma resposta desagradável que deixe os seus augustos representantes ficar mal na fotografia de família que tiram com os homólgos nas reuniões em Bruxelas.
Não há pois que perder tempo com referendos. Não valem de nada, na realidade. Talvez valham mesmo menos que a palavra do primeiro-ministro José Sócrates em período de campanha eleitoral.
 
 
Para que conste, a versão final do Regulamento de Avaliação do Curso de Licenciatura introduziu algumas alterações aos pontos objecto do post anterior. Em matéria de orais de melhoria de nota, cabe destacar designadamente as seguintes:

Mesmo face a estas alterações, parece-me que as observações feitas continuam a justificar-se. Para mais detalhes, cfr http://www.fd.ul.pt/noticias/not_docs/regavalia.pdf

 
domingo, outubro 14, 2007
  Por que é que o curso dos alunos que passam pelo Sistema de Adaptação a Bolonha não vai ser mais fácil que o curso do modelo antigo
Se há críticas que podem (e devem) fazer-se ao novo Regulamento de Avaliação do Curso de Licenciatura em Direito, uma delas certamente não será a de que promove o facilitismo (antes pelo contrário). E é necessário que se desmitifique urgentemente esta ideia:

1. Possibilidade de dispensa de exame escrito e exame oral (com a consequente conclusão da cadeira) em caso de se obter uma classificação igual ou superior a 12 valores em avaliação contínua.

- Alguém imagina que a partir de agora qualquer docente dá um 12 com a “facilidade” que poderia dar? Alguém imagina que os casos duvidosos (11 ou 12? 10 ou 11? 12 ou 13?) não serão decididos “para baixo”?

- Para muitos alunos, o exame escrito era uma possibilidade de subir a nota de avaliação contínua, independentemente de se apresentarem ou não a oral de melhoria. De agora em diante, têm que seguir directamente para oral. E nesta (salvo raras excepções) alguém imagina que um 12 vá muito além do 13 ou do 14? Ou que um 14 passe, com muito esforço, do 16?

- Concluir uma disciplina com nota de “aprovação” não é hoje o objectivo primordial de quem queira terminar o curso com uma média que lhe garanta oportunidades de emprego. Consequentemente, este sistema, pode facilitar (e é duvidoso que o faça) as aprovações, mas dificulta as boas notas. Porque os limites da avaliação contínua continuarão a ser o 14, o 15 ou o 16! (aqui já em casos muito raros, sendo que na verdade só conheço mesmo um!)


2. Possibilidade de continuar a realizar orais de melhoria em todas as disciplinas. (**)

- Mas terão de ser 10 seguidas num mês (Julho: a época de recurso), ie, fazem-se simultaneamente as provas referentes ao primeiro e ao segundo semestre lectivos. Ora, para além do inequívoco esforço que representa prestar 10 provas em 4 semanas, há a acrescentar que 5 delas (as das cadeiras do 1º semestre) se referem a disciplinas que os alunos já não estudam desde finais de Dezembro! (e não se argumente que podem “ir continuando” a estudá-las juntamente com as do segundo mestre, ou que uma vez estudadas, os conhecimentos ficam sedimentados);

3. Necessidade de uma participação oral de pelo menos 15 minutos por aluno

- O preceito do regulamento que alude a este ponto foi redigido de forma pouco clara. Consequentemente dá azo a mútilplas interpretações (inclui a participação “espontânea” ? ou impõe a realização de mini-orais?). E, como não poderia deixar de ser, é a interpretação de docente que é vinculativa!

- Com o peso da participação oral de tal forma sublinhado, não há ninguém que queria deixar de participar. Consequentemente, as aulas passam de dinâmicas a competitivas e o desejo de participar confunde-se com a sede de ter “tempo de antena”...


4. Manutenção dos “bónus” acrescentados à média

- Mas passa o tecto máximo baixa de 0,7 para 0,5 valores. E para quem pense que não, duas décimas podem mesmo fazer a diferença em termos de arredondamento às unidades (assim p. exº somar 0.5 a 15.9 (= 16) não será o mesmo que somar aos mesmos 15.9 0.7 (=16,6, ie, 17).

A isto acrescem alguns pontos onde os alunos que passam pelo sistema de adaptação a Bolonha saem inequivocamente prejudicados comparativamente aos que terminaram o curso no plano normal:

- A repartição das disciplinas de 5º ano pelo 3º e o 4º, implica o desaparecimento das disciplinas opcionais ligadas às pré-especializações. Consequente, não só é mais deficiente a formação que teremos – por se reduzir a um “mínimo indispensável” – como fica perdida a oportunidade de ter melhores classificações em disciplinas que supostamente corresponderiam mais às preferências e às vocações de cada um;

- A fórmula de cálculo da média muda: a média de 4º e 5º ano deixam de valer a dobrar passando todos os anos a valer o mesmo. Com isto desaparecem as possibilidades de incremento da média final de curso de que os alunos do sistema antigo beneficiavam...;


Por estes motivos, e talvez outros que neste momento não me ocorrem, não compreendo como é que se pode afirmar que o nosso curso vai ser mais fácil. Tal afirmação, para além de não corresponder à verdade, redundará (caso seja tida como válida) numa desvalorização do percurso académico (maxime: das classificações !) dos alunos que terminam o seu ciclo de estudos neste sistema de adaptação, que não posso deixar de apelidar de manifestamente injusta.
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(**) Alterado, cfr o post de 20-Out.-2007
 
sábado, outubro 06, 2007
  O Notário do Estado
O discurso de hoje do Presidente da República, nas cerimónias de comemoração dos 97 anos da Implantação da República e, em particular, a multiplicidade de reacções que suscitou levam-me, mais uma vez, a olhar com curiosidade para a natureza dos poderes presidenciais em tempos de “acalamia política”. O tal poder moderador em sentido positivo, o poder do “árbitro” ou do “dinamizador das energias nacionais” (segundo Mário Soares), do “magistrado de influência” que não governa mas preside, à moda dos reis da Monarquia Constitucional.

É que estas fórmulas, agradáveis ao ouvido, parecem-me agora (agora, porque também já tive a minha fase de encará-las com euforia), uma mão cheia de nada. Será o Presidente hoje muito mais do que um “notário do Estado”? Por onde paira a dimensão “presidencialista” do sistema de governo quando não estamos em tempos de crise? Mais: qual é a relevância dos “discursos mobilizadores” do Presidente, quando toda a gente ouve com reverência, mas cada um entende à maneira que lhe dá mais jeito, e depois dos aplaudos, toca o Hino Nacional e fica tudo... na mesma?
P.S.- (porque já se vai tornando moda): para os leitores mais atentos, era eu mesmo que clamava em finais de 2005 (blogue «refúgio») contra a "deriva presidencialista" do então candidato Cavaco Silva. Estou agora contradizer-me... influências de estar a estudar o venire, certamente!
 
quarta-feira, outubro 03, 2007
  Da Integração Europeia
O Tratado reformador das Intituições Europeias – que se espera poder estar concluído ainda durante a presidência portuguesa – substitui, em termos menos amplos, o chamado Tratado que Intitui uma Constituição para a Europa (vulgo Tratado Constitucional Europeu) adoptado em Convenção pelos Estados em 2003, mas que não colheu o número de ratificações necessárias para entrar em vigor (designadamente, depois do processo de vinculação ter sido “chumbado” por via referendária em França).

O que está em causa, para além o deslumbramento nacional em ter uma Convenção com o nome da capital portuguesa na História da Integração Europeia, [Tratado de Lisboa] é, mais do que nunca, a escolha de um modelo para a Europa. E uma escolha em que as alternativas se apresentam de modo claro, com uma polarização simples, ainda que incómoda:

- de um lado temos a evolução federalizante, desejada desde o início pelos principais obreiros da integração, mas que implica um sacrifício irreversível dos direitos de soberania dos Estados Nacionais;

- de outro, o mero aprofundamento do processo integrativo, com um aumento das competências transferidas (ou se se quiser, delegadas) dos Estados nas Comunidades; aumento que permitirá o exercício de poderes mais amplos, suprindo a lógica dos 3 pilares consolidada em Maastricht, mas que pereniza a dúvida em torno da natureza da União (confederação? Associação de Estados? Organização Internacional sui generis?), da sua existência enquanto entidade a se (ie, sujeito de DIP a par do Estado Soberano) e relação com as Comunidades (é redutível ou não ao conjunto das Comunidades?);

Não estou certo que as “vantagens clarificadoras” da adopção do primeiro modelo o justifiquem completamente. Poderá argumentar-se que a ideia de Estado Soberano é uma ficção ou que foi ultrapassada pela institucionalização do DIP, que na sociedade internacional se desenham tendências de “concentração” político-estratégicas e económicas às quais um Estado com o relevo (escasso, admita-se) de Portugal nas relações internacionais só pode resistir integrado “num bloco” ou que não se pode querer simultaneamente, acolher as vantagens da União (maxime, económicas com os Quadros-Comunitários de apoio) e afastar os inconvenientes. Ou ainda que a hegemonia da União sobre os Estados, consubstanciada no primado do Direito Comunitário sobre o Nacional (incluindo o Direito Constitucional) há muito foi declarada pela jurisprudência do TJCE, e mesmo que não o fosse, nenhum Estado poderia invocar regras de direito interno para não cumprir uma obrigação internacional (pressupondo-se assim, que o primado é uma obrigação assumida pelos Estados nos Tratados).

Mas é sempre justo lembrar que a inexistência de um grau mínimo de homogeneidade cultural (desde logo, pela diferença de idiomas) entre os Estados-membros da União ou as diferenças de poderio estratégico entre eles, conduziriam sempre, a levar-se a evolução federalizante federalizante às últimas consequências (isto é, a convular-se a federação, o que não é certo que decorra já proprio sensu deste Tratado), a um projecto se não inviável, pelo menos concebido em termos manifestamente injustos ou desproporcionais (a título de exemplo, recorde-se que chegou a ser cogitada a possibilidade de nem todos os Estados terem simultaneamente representantes na Comissão, o que é manifestamente criticável quando está é o órgão executivo da União e o seu protagonismo tende a aumentar ao sabor da integração).
Sublinhe-se ainda que o desenho das relações entre os Estados seria, como já hoje é, regido pelo princípio do peso demográfico (= princípio do poderio político-estratégico?), o que também parece injusto: cada Estado, independentemente da sua população, detem os mesmos direitos de soberania (a soberania de um Estado não é graduável face aos outros) e como tal, é de elementar justiça que abdique deles na mesma proporção dos outros e que se ache representado nos órgãos da União de forma análoga àqueles! (no entanto, lembre-se que apesar da chamada estrutura de sobreposição e participação isto também não acontece plenamente nas federações. A diferença é a muito maior homogeneidade da comunidade em que assentam e a menor (ou mesmo inexistente) viabilidade da concepção dos Estados-federados como Estados soberanos, no caso da federação se diluir).

Quanto ao primado do Direito Comunitário, a construção pretoriana da jurisprudência do Tribunal de Justiça, há-de ter de conjugar-se com o art. 8/4 da Constituição Portuguesa. E aí figura, em termos muitos claros, o que alguma doutrina tem chamado de contra-limites: quer dizer, remete-se para a União os termos em que o seu direito é aplicável em Portugal, mas diz-se à partida, que ele não poderá deixar de respeitar os princípios fundamentais do Estado de Direito.

Na prática, o alcance do preceito é pouco amplo por não funcionarem (ou funcionarem pouco) esquemas de fiscalização do cumprimento destes contra-limites, e, desde logo, controlo da constitucionalidade dos actos do Direito da União à face da Constituição Nacional. Mas ele evidencia, ainda que de forma muito ténue, um esforço do legislador constitucional em resistir à vaga de integração que os decisores políticos têm aceite de forma dogmática, e de chamar a si, quanto ao essencial, a condução das relações com a Comunidade ( a competência das competências, como tem dito a jurisprudência alemã), não a devolvendo incondicionalmente para o Direito da União e para os seus órgãos.
P.S. 1 - Com "evolução federelizante" não se quer dizer acto de adopção de uma federação. Neste há um efeito estático e definitivo, naquela uma ideia essencialmente dinâmica.
P.S. 2 - Este post não deve ser lido como uma condenação liminar da Integração Europeia ou uma mistificação a níveis ridículos da ideia da soberania nacional (tão bem conseguida pelos Totalitarismos de Direita, que não me merecem neste prisma qualquer elogio). É antes um convite à reflexão. Um convite a que os portugueses (ou pelo menos os 0,0000000000000000000000000001 % que lêem este blogue) pensem nas consequências da integração e nos seus custos. Que construam mentalmente uma ideia sobre que União Europeia querem, já que, como o referendo ao Tratado ficou-se pelas promessas eleitorais, tal reflexão não pode passar disso mesmo e quem tiver essa ideia não vai ter oportunidade de manifestá-la em sede própria.
P.S.3 - A escolha do tema não deriva de nenhuma «obsessão» anti-europeísta nem de nenhum trauma pela falta de «tempo de antena» na oral de ontem (até por serem diferentes os primas de análise). Resulta directamente de um post que li noutro blogue e que pode ser conferido aqui.
 

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