Da Integração Europeia
O Tratado reformador das Intituições Europeias – que se espera poder estar concluído ainda durante a presidência portuguesa – substitui, em termos menos amplos, o chamado Tratado que Intitui uma Constituição para a Europa (vulgo Tratado Constitucional Europeu) adoptado em Convenção pelos Estados em 2003, mas que não colheu o número de ratificações necessárias para entrar em vigor (designadamente, depois do processo de vinculação ter sido “chumbado” por via referendária em França).
O que está em causa, para além o deslumbramento nacional em ter uma Convenção com o nome da capital portuguesa na História da Integração Europeia, [Tratado de Lisboa] é, mais do que nunca, a escolha de um modelo para a Europa. E uma escolha em que as alternativas se apresentam de modo claro, com uma polarização simples, ainda que incómoda:
- de um lado temos a evolução federalizante, desejada desde o início pelos principais obreiros da integração, mas que implica um sacrifício irreversível dos direitos de soberania dos Estados Nacionais;
- de outro, o mero aprofundamento do processo integrativo, com um aumento das competências transferidas (ou se se quiser, delegadas) dos Estados nas Comunidades; aumento que permitirá o exercício de poderes mais amplos, suprindo a lógica dos 3 pilares consolidada em Maastricht, mas que pereniza a dúvida em torno da natureza da União (confederação? Associação de Estados? Organização Internacional sui generis?), da sua existência enquanto entidade a se (ie, sujeito de DIP a par do Estado Soberano) e relação com as Comunidades (é redutível ou não ao conjunto das Comunidades?);
Não estou certo que as “vantagens clarificadoras” da adopção do primeiro modelo o justifiquem completamente. Poderá argumentar-se que a ideia de Estado Soberano é uma ficção ou que foi ultrapassada pela institucionalização do DIP, que na sociedade internacional se desenham tendências de “concentração” político-estratégicas e económicas às quais um Estado com o relevo (escasso, admita-se) de Portugal nas relações internacionais só pode resistir integrado “num bloco” ou que não se pode querer simultaneamente, acolher as vantagens da União (maxime, económicas com os Quadros-Comunitários de apoio) e afastar os inconvenientes. Ou ainda que a hegemonia da União sobre os Estados, consubstanciada no primado do Direito Comunitário sobre o Nacional (incluindo o Direito Constitucional) há muito foi declarada pela jurisprudência do TJCE, e mesmo que não o fosse, nenhum Estado poderia invocar regras de direito interno para não cumprir uma obrigação internacional (pressupondo-se assim, que o primado é uma obrigação assumida pelos Estados nos Tratados).
Mas é sempre justo lembrar que a inexistência de um grau mínimo de homogeneidade cultural (desde logo, pela diferença de idiomas) entre os Estados-membros da União ou as diferenças de poderio estratégico entre eles, conduziriam sempre, a levar-se a evolução federalizante federalizante às últimas consequências (isto é, a convular-se a federação, o que não é certo que decorra já proprio sensu deste Tratado), a um projecto se não inviável, pelo menos concebido em termos manifestamente injustos ou desproporcionais (a título de exemplo, recorde-se que chegou a ser cogitada a possibilidade de nem todos os Estados terem simultaneamente representantes na Comissão, o que é manifestamente criticável quando está é o órgão executivo da União e o seu protagonismo tende a aumentar ao sabor da integração).
Sublinhe-se ainda que o desenho das relações entre os Estados seria, como já hoje é, regido pelo princípio do peso demográfico (= princípio do poderio político-estratégico?), o que também parece injusto: cada Estado, independentemente da sua população, detem os mesmos direitos de soberania (a soberania de um Estado não é graduável face aos outros) e como tal, é de elementar justiça que abdique deles na mesma proporção dos outros e que se ache representado nos órgãos da União de forma análoga àqueles! (no entanto, lembre-se que apesar da chamada estrutura de sobreposição e participação isto também não acontece plenamente nas federações. A diferença é a muito maior homogeneidade da comunidade em que assentam e a menor (ou mesmo inexistente) viabilidade da concepção dos Estados-federados como Estados soberanos, no caso da federação se diluir).
Quanto ao primado do Direito Comunitário, a construção pretoriana da jurisprudência do Tribunal de Justiça, há-de ter de conjugar-se com o art. 8/4 da Constituição Portuguesa. E aí figura, em termos muitos claros, o que alguma doutrina tem chamado de contra-limites: quer dizer, remete-se para a União os termos em que o seu direito é aplicável em Portugal, mas diz-se à partida, que ele não poderá deixar de respeitar os princípios fundamentais do Estado de Direito.
Na prática, o alcance do preceito é pouco amplo por não funcionarem (ou funcionarem pouco) esquemas de fiscalização do cumprimento destes contra-limites, e, desde logo, controlo da constitucionalidade dos actos do Direito da União à face da Constituição Nacional. Mas ele evidencia, ainda que de forma muito ténue, um esforço do legislador constitucional em resistir à vaga de integração que os decisores políticos têm aceite de forma dogmática, e de chamar a si, quanto ao essencial, a condução das relações com a Comunidade ( a competência das competências, como tem dito a jurisprudência alemã), não a devolvendo incondicionalmente para o Direito da União e para os seus órgãos.
P.S. 1 - Com "evolução federelizante" não se quer dizer acto de adopção de uma federação. Neste há um efeito estático e definitivo, naquela uma ideia essencialmente dinâmica.
P.S. 2 - Este post não deve ser lido como uma condenação liminar da Integração Europeia ou uma mistificação a níveis ridículos da ideia da soberania nacional (tão bem conseguida pelos Totalitarismos de Direita, que não me merecem neste prisma qualquer elogio). É antes um convite à reflexão. Um convite a que os portugueses (ou pelo menos os 0,0000000000000000000000000001 % que lêem este blogue) pensem nas consequências da integração e nos seus custos. Que construam mentalmente uma ideia sobre que União Europeia querem, já que, como o referendo ao Tratado ficou-se pelas promessas eleitorais, tal reflexão não pode passar disso mesmo e quem tiver essa ideia não vai ter oportunidade de manifestá-la em sede própria.
P.S.3 - A escolha do tema não deriva de nenhuma «obsessão» anti-europeísta nem de nenhum trauma pela falta de «tempo de antena» na oral de ontem (até por serem diferentes os primas de análise). Resulta directamente de um post que li noutro blogue e que pode ser conferido aqui.