Vicarious Liability
sábado, outubro 06, 2007
  O Notário do Estado
O discurso de hoje do Presidente da República, nas cerimónias de comemoração dos 97 anos da Implantação da República e, em particular, a multiplicidade de reacções que suscitou levam-me, mais uma vez, a olhar com curiosidade para a natureza dos poderes presidenciais em tempos de “acalamia política”. O tal poder moderador em sentido positivo, o poder do “árbitro” ou do “dinamizador das energias nacionais” (segundo Mário Soares), do “magistrado de influência” que não governa mas preside, à moda dos reis da Monarquia Constitucional.

É que estas fórmulas, agradáveis ao ouvido, parecem-me agora (agora, porque também já tive a minha fase de encará-las com euforia), uma mão cheia de nada. Será o Presidente hoje muito mais do que um “notário do Estado”? Por onde paira a dimensão “presidencialista” do sistema de governo quando não estamos em tempos de crise? Mais: qual é a relevância dos “discursos mobilizadores” do Presidente, quando toda a gente ouve com reverência, mas cada um entende à maneira que lhe dá mais jeito, e depois dos aplaudos, toca o Hino Nacional e fica tudo... na mesma?
P.S.- (porque já se vai tornando moda): para os leitores mais atentos, era eu mesmo que clamava em finais de 2005 (blogue «refúgio») contra a "deriva presidencialista" do então candidato Cavaco Silva. Estou agora contradizer-me... influências de estar a estudar o venire, certamente!
 
Comentários:
Toda a gente sabe que isso do "Presidencialismo de Cavaco Silva" é mero sensacionalismo, tendo em vista tirar votos a Cavaco para os distribuir pelos restantes.

É mais presidencialista com a intervenção de Sócrates, do que com a do próprio Cavaco.
 
Parece-me que nunca vi um presidente português dar-se tão bem com o "seu" governo! Tendo em conta que têm "cores" diferentes, considero isso muito suspeito!
Quanto aos discursos repetitivos, mas bonitos, que não esclarecem, só poderiam servir mesmo para deixar tudo na mesma!
Aliás, as mudanças que os portugueses tem sentido ultimamente não poderão nunca ser suavizadas com discursos e hinos...
Marianne
 
Convido-te a leres http://omurodaslamentacoes.blogs.sapo.pt/246323.html; se concordares, assina, por favor.
 
Meu caro colega, o dia da República não deve servir para um reflexão acerca dessa promiscuidade que parece figurar na relação entre Presidente e Governo. O verdadeiro debate que cabe aqui colocar é sobre uma questão muito mais fracturante e que poucos têm coragem de abordar, ou seja a viabilidade desta democracia representativa como forma de governo auto-proclamada como sendo a mais perfeita que existe.
Passo a expor a minha opinião e espero fazê-la em termos sucintos porque aqui o blogger não sou eu. A democracia representativa é uma farsa. O que ela significa é o primeiro grande êxito obtido pelo poder político na pacificação total das massas. No passado sempre que as massas se tornavam turbulentas, a resposta era implacável e esmagadora. Hoje, as massas não se tornam turbulentas de todo, visto que a sua chama é morta à nascença. As massas são mantidas num estado de apatia generalizada, para o qual contribuem inúmeros factores: o voto, essa grande falácia que dá às massas a ilusão de estarem a decidir o futuro do seu país, quando na realidade se limitam a escolher entre dois candidatos, cujas políticas serão pouco ou nada distintas; os "ópios do povo", ou seja futebol, televisão e cinema. E ainda algo que escapa a muito boa gente: os livros cada vez mais caros, cada vez menos acessíveis aos bolsos das massas, porque afinal não há maior ameaça ao poder político que um povo culto, ou melhor dizendo de um povo dotado de certas ideias "inconvenientes". Quando foi a última vez que viu publicadas obras de Bakunine ou de Proudhon? De Marx ou de Trotsky? Há por aí muita gente que vive mastigando uma resignação surda e na ânsia de ver algo mudar neste caminho alegre que fazemos rumo à mediocridade...
 
Caro anónimo,

Desde já agradeço a sua visita e comentário.

1. O post que comentou não contituir nenhuma reflexão sobre a natureza da relação institucional entre o "este" Presidente e "este" Governo. É antes, um conjunto de questões (porque não me parece ter a profundidade necessária para se poder apelidar de "reflexão) sobre a natureza jurídica dos poderes do Presidente da República no nosso sistema de Governo - que a maioria da doutrina (vide Jorge Miranda, Marcelo R. de Sousa, Luís Salgado de Matos, entre outros) - considera semi-presidencial - ou antes a "relevância" dos actos que consubstanciam o exercício desses mesmos poderes.

2. Nao tem, portanto, subjacente, nenhuma crítica nem á República enquanto forma de Governo, nem ao sistema de governo semi-presidencial (pese embora a mutiplicidade de critérios usados para defini-lo, desde Duverger).

3. Tão pouco se prentede afirmar a irrelevância do Presidente da República no sitema. Se dúvidas existissem quanto à importância dos seus poderes, a Constituição dá-nos alguns exemplos:

- dissolução do corpo legislativo, formal, circunstancial e temporalmente condicionada mas materialmente livre desde a RC 82 (neste sentido, vide Jorge Reis Novais);

- veto político definitivo a decretos aprovados pelo Governo (art. 136.º) e possibilidade de promulgar um decreto contendo normas objecto de pronúncia pela inconstitucionalidade (art. 279.9, nº2), podendo assim "opôr-se" a um acto de um órgão da função jurisdicional, etc...

4. O que se pretende, portanto, é criticar, de forma descontraída e (admito) superficial, a construção doutrinária do "poder moderador" em sentido positivo ou da Magistratura de Influência e Iniciativa;

5. Não há qualquer referência à Democracia representativa. Mas a minha posição quanto à importância desta Forma de Governo é conhecida (ou pelo menos está implicíta em todos os posts políticos) e pode resumir-se a alguns pontos:

- Não há formas de governo perfeita. Mas uma comparação com todas as outras que a História conheceu mostra-nos que a Democracia Representativa é a melhor. Por permitir (ainda que em termos imperfeitos) a participação do povo no exercício do poder político, por assegurar a efectiva separação de poderes e os Direitos Fundamentais, por não entregar o poder às elites (ou pelo menos não ter como princípio fazê-lo) mas também não permitir que qualquer um o exerça, sem ter que previamente passar por um teste do eleitorado:

- Nao considero o voto uma falácia nem creio que os problemas da nossa Democracia a condenem enquanto Forma de Governo, ao fracasso. O que há é uma necessidade de reforma, de evolução (não de ruptura brusca). E nessa reforma deverão ser linhas fundamentais: o aprofundamento da responsabilidade dos eleitos, a educação cívica das popuçlações, o aumento dos mecanismos de participação. Numa palavra: há que dignificar o Estado de Direito Democrático.

6. Quanto às críticas que faz em relação aos "ópios do povo" e ao desinteresse por literatura relevante, não posse deixar de estar mais de acordo. Mas nenhum desses pontos é incompatível com a Democracia.

Uma coisa é admitir reformas, outra bem diferente é querer mudanças bruscas, procurar uma panaceia. E toda a gente tem bem presente, a forma em que terminaram as experências totalitárias que a Europa conheceu no séc. XX, as quais reclamavam, precisamente, esse estatuto de "panaceia".
 
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