Vicarious Liability
quarta-feira, março 26, 2008
  Séneca
Se um Homem não sabe a que porto se dirige, vento nenhum lhe será favorável.
 
  Manobras Eleitoralistas
Ao contrário da maioria dos comentadores (e, desde logo, porque não sou comentador) não percebo nada de finanças nem de futebol. No entanto, não deixo de estranhar a descida do IVA hoje anunciada pelo governo, sobretudo, neste momento – a cerca de um ano das eleições legislativas – e com este impacto tão pouco significativo – um valor quase simbólico de 1%.

Por muito que o governo tenha boas razões para fazê-lo e saiba explicá-las ao país, uma medida destas, tomada neste timing, muito dificilmente poderá deixar de soar a manobra eleitoralista…
 
domingo, março 16, 2008
  Vida de Cão

Há um velho provérbio que diz que a notícia não é o cão que mordeu o homem, mas o homem que mordeu o cão. Só que em Portugal, onde os serviços noticiosos televisivos duram quase sempre cerca de uma hora, há espaço para o cão que mordeu o homem e para o cão que mordeu a mulher, quer seja no quintal ou na sala, no meio da rua da mais movimentada cidade ou no descampado da mais pacata aldeia, isto contando apenas com os cães de quatro patas. Os cães mordem, decorre da predisposição genética do próprio animal, e por isso existe o artigo 502.º do Código Civil, e o artigo 7º do Decreto-Lei 314/2003, e uma quantidade industrial de outras normas que visam, por um lado, evitar que os danos se sucedam, e, por outro, assegurar a responsabilização dos donos e/ou encarregados da vigilância dos animais quando eles aconteçam.

Para engrossar a já enorme quantidade de normas, surge o recente despacho do Ministério da Agricultura a proibir sete raças de cães, tendo como justificação a sua perigosidade. Procurei na minha cabeça, e até recorri ao dicionário, mas só um adjectivo se adequa para qualificar este despacho: estúpido. Argumentos a favor são alguns, certamente, mas contra são tantos e tão óbvios que nem vale a pena enumerar (a menos que algum leitor defensor da medida faça muita questão). Resta-me então fazer uma lista não taxativa de algumas “raças” de seres humanos que não deviam existir, dada a sua perigosidade, pelo que se impõe a esterilização dos que já existem por cá e a proibição de entrada em Portugal de espécimes estrangeiros de, por exemplo, homicidas, violadores ou assaltantes.

Um pouco mais a sério, se percebessem a frase “homo homini lupus”, saberiam que o problema não está nos animais de quatro patas mas sim nos de duas, que os criam num ambiente violento, isto quando não os abandonam, e não têm restrições legais suficientes a esse nível que os impeçam. Alias, é o que este despacho incentiva: o abandono destes animais por parte daqueles que, não lhes tendo respeito, não querem pagar a esterilização, muito menos a contra-ordenação relativa à sua criação.

 
sábado, março 15, 2008
  Sugestões para uma Alteração ao Regulamento de Avaliação
A nova versão do Regulamento de Avaliação do Curso de Licenciatura, que, segundo o Presidente do Conselho Directivo, já terá sido aprovada e seria disponibilizada no site da faculdade, comportaria, ao que foi garantido, a possibilidade de alterações pontuais. Com base no que conheço da nova versão e dos sucessos e insucessos da versão anterior (de Dezembro de 2007), ficam aqui algumas sugestões que me parecem poder contribuir para uma versão final mais equilibrada.

1- Elementos de avaliação

· Três elementos de avaliação obrigatórios: frequência escrita, participação oral e um teste de avaliação contínua ou trabalho escrito, a escolher pelo regente da disciplina;

· Peso relativo de cada um dos elementos a definir pelo regente da disciplina, atendendo às suas especificidades (p. exº as disciplinas que em avaliação contínua estão formatadas com subturmas com um número muito elevado de alunos mostram-se pouco adequadas a uma participação oral “activa”, pelo que o peso deste elemento deveria ser menor), mas dentro de um intervalo percentual pré-definido. Por exemplo: frequência (40 a 50%), participação oral (30 % se a frequência valer 40% e 20% se a frequência valer 50%) e teste ou trabalho (30%). Seria suprimido, enquanto critério da avaliação, a assiduidade que se mostra disfuncional face à natureza do ensino universitário, que pressupõe uma maior autonomia do estudante na definição do seu percurso. Acrescentem-se ainda as notórias dificuldades na atribuição de uma classificação quantitativa clara ao item “assiduidade” e o facto, admitido pela generalidade dos assistentes, de ela não funcionar como elemento favorável ao aluno (um aluno que esteja sempre presente e não participe, é avaliado de forma semelhante do que um aluno eventualmente menos assíduo mas participativo, o que aconselha, quanto mais não seja por uma questão de “honestidade intelectual” a que este critério perca a sua autonomia e seja considerado em sede de participação nos trabalhos da aula);

· Atribuição de uma classificação quantitativa, de 0 a 20 valores, autónoma, a cada um destes itens, e composição da nota final da avaliação contínua exclusivamente a partir da ponderação da avaliação atribuída em cada um deles. A nota final deverá ser anunciada ao aluno conjuntamente com a classificação que lhe foi atribuída em cada dos itens avaliados, sendo susceptível de recurso para o regente da disciplina sempre que:

o A classificação final não resulte da ponderação dos elementos referidos, na proporção que lhes for atribuída;
o As classificações parcelares de cada um dos itens não sejam comunicadas aos alunos (note-se, como de resto aconteceu generalizadamente no primeiro semestre deste ano!);

· A obrigatoriedade de existência de um elemento de avaliação escrita adicional (trabalho ou teste de avaliação contínua) visaria, por um lado, cobrir a parte do programa não tratado na frequência (e, quando há possibilidade de se terminar a disciplina dispensando a prova oral, apenas com a nota de avaliação contínua, parece necessário que a esmagadora maioria do programa seja objecto de avaliação) e por outro, fornecer dados de avaliação adicionais face aos alunos que, mau grado tenham tido classificações satisfatórios no teste de frequência, sejam pouco participativos nos trabalhos da aula;

2- Frequência

· O enunciado da frequência deve ser obrigatoriamente elaborado pelo regente da disciplina e ser comum a todas as disciplinas;

· As provas, depois de resolvidas, devem igualmente ser todas corrigidas pelo regente da disciplina. Visa-se assim, por um lado garantir a uniformidade das questões avaliadas, depois a uniformidade das próprias classificações, o que é uma exigência de justiça elementar. Qualquer observador atento pôde notar, neste 1º semestre, as profundas discrepâncias de critérios e níveis de exigência entre professores e assistentes de uma mesma equipa, da mesma disciplina e com o mesmo Regente, discrepâncias essas que os critérios de avaliação (sempre demasiado vagos, quando apresentados) não conseguiram minorar. Colide com os mais elementares vectores de justiça que o resultado de uma prova de avaliação varie, não consoante os conhecimentos do aluno, mas em função da “sorte” que tenha em que a mesma seja corrigida por determinado docente em detrimento de outro;


· A aplicação da regra atrás enunciada, faria desaparecer a possibilidade de revisão da correcção da prova pelo regente da disciplina. Mas sem grandes sobressaltos: primeiro, porque, nos termos gerais, sempre restaria a possibilidade de reclamação; depois, porque o próprio procedimento de revisão, instituído no semestre anterior por despacho do Presidente do Conselho Directivo, desincentivava a que a revisão fosse pedida (era o próprio assistentes, de cuja classificação de “recorria” a impulsionar o processo); finalmente porque, ao arrepio das regras do regulamento, não raros foram os casos em que o Regente da disciplina delegou num Assistente ou Professor, júri das provas de frequência, o poder de apreciar os pedidos de revisão das mesmas;

· Obrigatoriedade de divulgação dos resultados da prova de frequência até ao último dia de aulas do semestre;
. Frequência com uma duração mínima de 90 minutos;

3 – Composição Final da Nota de Avaliação Contínua

· Manutenção dos dois tradicionais métodos de avaliação (contínua e final), estruturados nos seguintes termos:

o Método de Avaliação Contínua (A):

§ Três elementos de avaliação, com o peso na composição final da classificação referido no ponto 1;

§ Classificação de 10 valores (ou mais) na frequência: o aluno teria garantida uma classificação final de avaliação contínua de pelo menos 10 valores, independentemente do resultado obtido com a ponderação dos demais itens;

§ Classificação de 12 valores (ou mais) na frequência: o aluno teria garantida uma classificação final de avaliação contínua de pelo menos 12 valores, correspondente ao patamar mínimo para concluir a disciplina, independentemente do resultado obtido com a ponderação dos demais itens;

§ Nos restantes casos, a classificação seria apurada de acordo com a ponderação mencionada, em termos tais que:

· Se a nota classificação se situasse entre os 7 e os 9 valores – o aluno seria automaticamente reconduzido ao sistema de avaliação final, a cujas regras se alude no ponto seguinte;

· Se a classificação se situasse abaixo dos 7 valores – o aluno reprovaria na disciplina, restando-lhe a hipótese de se apresentar, a provas na época de recurso;

· Se a classificação apurada se situasse acima dos 12 valores – o aluno concluiria a disciplina com essa classificação, restando-lhe a possibilidade de se apresentar a uma prova oral de melhoria de nota;

· Se a classificação apurada se situasse entre os 10 e os 12 valores – o aluno teria uma nota de avaliação contínua mas teria de apresentar-se a exame para concluir a disciplina. O peso de cada destes elementos (exame e nota da unidade de avaliação) seria de 50%, com possibilidade de prevalência da nota do exame;

o Método de Avaliação Final (B):

§ Dois elementos de avaliação: exame escrito e oral;

§ O aluno pode escolher entre inscrever-se numa prova de exame escrito ou oral, a realizar nas épocas regulares (Janeiro e Junho);

§ Se optar pela prova escrita:

· … e tiver uma classificação entre 0 e 9 valores – reprova;
· … e tiver uma classificação entre 10 e 14 valores – é obrigado a realizar exame oral;
· … e tiver uma classificação superior a 14 valores – conclui a disciplina;

§ Se optar pela prova oral:

· … e tiver uma classificação entre 0 e 9 valores – reprova;
· … e tiver uma classificação igual o superior a 10 valores – conclui a disciplina;

· Aos alunos que se apresentem a exame em avaliação contínua (método A) o sistema aplicável seria o seguinte:

o Se optar pela prova escrita:

§ … e tiver, mesmo que a ponderação da classificação de avaliação contínua resulte noutro valor (exº numa média de 9,5 (dez) valores), entre 0 e 8 valores – reprova;

§ … e tiver, 9 valores, apura-se o resultado da avaliação contínua;

§ ... e tiver, entre 9 e 11 valores apurado o resultado da avaliação contínua – vai à prova oral. Nesse caso, a nota de avaliação contínua valerá 50% e a do exame escrito e oral 25% cada um;

§ … e tiver, uma classificação igual ou superior a 12 valores, apurado o resultado da avaliação contínua – dispensa da prova oral e conclui a disciplina;


o Se optar pela prova oral:

§ … e tiver uma classificação entre 0 e 9 valores, ponderada a nota de avaliação contínua – reprova;

§ … e tiver uma classificação igual ou superior a 10 valores, ponderada a nota de avaliação contínua – conclui a disciplina;

· A classificação obtida em exame, se superior ao valor da ponderação dos demais elementos, prevalece. Havendo exame oral e escrito, prevalece a classificação do exame oral, se superior. Havendo só exame escrito e a nota for inferior a 9 valores, a classificação do exame prevalece sempre (mesmo mais reduzida) e o aluno reprova;

· Pretende-se, assim, ao conferir um regime mais favorável à avaliação oral, que os alunos optem preferencialmente pelos exames orais (pois estes possibilitam uma melhor gestão do calendário), mas reconhecendo-lhes a possibilidade de efectuar avaliação escrita, se, em qualquer caso, considerarem preferível;

4 – Exames de Melhoria de Nota

· Provas de melhoria de classificação realizadas na época normal de exames, sempre por via oral, e sem limite de número de disciplinas às quais os alunos podem inscrever-se;

· O aluno poder recusar-se a prestar prova se o júri não for presidido pelo Regente da disciplina, gozando da faculdade de que a mesma lhe seja marcada para outra data. Na época de recurso já não gozaria de semelhante faculdade;

· Provas orais de melhoria de nota realizadas na época de recuso, sempre por via oral, com o limite máximo de 4 disciplinas, mas com liberdade de escolha das mesmas (o aluno poder escolher se realiza ex novo uma disciplina ou repete uma a que já realizou uma prova de melhoria de classificação; já não de melhoria de nota);

5 – Composição da Nota Final de Curso

· Peso semelhante de todas as disciplinas e da média final de todos os anos. Abolir-se-ia, portanto, o sistema em que a média final do 3º e 4º anos podem contar, se mais favoráveis, a dobrar, por o mesmo, representar um aceno aos “esforços de última hora” e desincentivar um empenho contínuo na aprendizagem, o que é contrário aos mais elementares vectores de justiça e de mérito individual;

· Atribuição de um bónus de 0.5 valores, acrescidos à media, a quem completar todas as disciplinas na época normal de exames. Quem as completar em época de recurso não gozaria de bónus;

· Atribuição de um bónus de 0.5 valores, no final do curso, acrescidos à media, a quem completar, todas as disciplinas em que se inscreveu, no respectivo ano da inscrição, mesmo na época de recurso;
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Este post, tem como principal objectivo, abrir aos alunos o debate sobre o seu modelo de avaliação, fomentando, a par da crítica, a capacidade de "criar" alternativas mais justas. Escusado será dizer que, comentários e propostas de alteração a este conjunto de sugestões serão bem recebidas. Mesmo que, a nossa reflexão não tenha nenhum peso na decisão final que será tomada.
 
sábado, março 08, 2008
  As Vinte Leis da Sociedade de Massas
1- A ficção e a realidade confundem-se excessivamente, de tal forma que é
difícil traçar uma linha de fronteira entre elas, saber onde termina o real e começa o imaginário ou vice-versa.

2- A aparência sobrepõe-se à substância e a forma ao conteúdo.

3- Os desconhecidos tornam-se aparentemente mais próximos, mas os próximos afastam-se uns dos outros, mergulham na sua esfera individual.

4- O sucesso não depende do talento de cada um, mas da sua capacidade para demonstrar que tem talento, mesmo que não o tenha.

5- A notoriedade democratizou-se, é acessível a praticamente qualquer um, mas desenvolve-se no imediato, tem uma duração efémera, que tende a devolver ao anonimato aqueles que em condições normais nunca deviam dele ter saído.

6- Tende a confundir-se o público com o privado e a respeitar-se pouco a reserva da intimidade, a qual em situação de colisão com o chamado interesse “jornalístico”, acaba sempre por sair derrotada.

7- A qualidade foi relegada para segundo plano e acaba por ser quase vexante para quem se preocupa em prossegui-la. Em alternativa, afirmou-se o império da quantidade e uma lógica de sucessão alucinante, que impede avaliações demoradas sobre o teor do que se transmite.

8- A palavra tem pouco valor, a sinceridade menos ainda. As pessoas gostam de ouvir certo tipo de frases, mesmo que saibam que são falsas, e invariavelmente ficam chocadas quando ouvem a verdade, ou então deturpam a verdade para que ela possa abrir portas ao mediatismo.

9- Oscila-se vertiginosamente entre o amor e o ódio, o heroísmo e imbecilidade.

10- Pensar é uma prática em desuso. É normalmente o impulso que preside às acções, ou então as orientações de raciocínio veiculadas por outrem a quem se atribui autoridade.

11- O seguidismo é condição essencial para uma boa reputação no grupo. O que está bem é aquilo que e generalidade dos seus membros faz, mesmo que muitos não entendam o por quê de o fazer.

12- A cortesia é confundida com debilidade enquanto se afirma a violência, ou pelo menos uma certa frieza nas relações com os outros, um gosto requintado pela indiferença.

13- Os horizontes de cada um começam e acabam na sua própria esfera de acção e pensamento. Por isso os interesses de grupo não só foram relegados para segundo, como pode ser bem visto prejudicá-los.

14- O diálogo é uma perda de tempo, o debate um exercício estéril.

15- As negociações ou protelam-se infinitamente porque nenhuma das partes se afasta um milímetro dos seus interesse, ou, se se encontrarem em patamares hierárquicos diferentes, acabam com a imposição ao mais fraco da vontade do mais forte.

16- Os objectivos de vida ou são exíguos, ou são de tal maneira relevantes que se considera justificável passar por cima dos outros para os concretizar de forma mais rápida.

17- Uma coisa é o que dizem na tua frente, outra é o que dizem nas tuas costas, outra ainda é o que fazem. A traição e a simpatia não são em absoluto incompatíveis. Alguém pode estar a prejudicar-te sem nunca deixar de ser deliciosamente agradável.

18- O do outro é sempre melhor que o meu e eu merecia mais tê-lo.

19- Estou disposto sempre a prejudicar o próximo. Mesmo que não ganhe nada com isso.

20- A cultura deve visar a evasão, a fuga da realidade.
 
sexta-feira, março 07, 2008
  Curiosidades sobre o (polémico) tema da Igualdade de Género
Um jornal de hoje noticiava, com base em dados do EUROSTAT, que o índice de participação das mulheres portuguesas na vida pública se situa em níveis aquém da média dos demais países da UE. Na véspera da comemoração do Dia da Mulher, estes dados parecem abrir a porta a uma reflexão interessante.

São evidentes as conquistas em matéria de igualdade de género, desde as primeiras pressões dos Movimentos Feministas ainda no século XIX até às Democracias Contemporâneas. Mas continua a ser ponto mais ou menos evidente que, mau grado a consagração formal dessa igualdade (princípio que tem inclusivamente dignidade constitucional, cfr. o art. 13 da Constituição, e sobretudo o nº 2 desse mesmo preceito que proíbe discriminações em razão de um conjunto de factores entre os quais se conta precisamente o “sexo”), materialmente continuam a fazer-se sentir diferenças acentuadas, da vida laboral à participação cívica, com destaque para o sector da intervenção política.

À excepção das duas Monarcas (D. Maria I e D. Maria II), que ocuparam o torno português, respectivamente nos séculos XVIII e XIX, por curtos períodos de tempo, e, (ainda assim) tendo ascendido ao cargo por via hereditária, a primeira experiência política feminina de relevo, em Portugal, aconteceria apenas em 1935 quando Domitila Carvalho, Maria Guardiola e Cândida Pereira são designadas deputadas à Assembleia Nacional, num ambiente dominado por homens. Mais de trinta anos depois e já perto do final do regime autoritário, Maria Teresa Lobo torna-se na primeira a chegar ao Governo como subsecretária de Estado da Assistência (1971).

Mas os avanços significativos dar-se-iam apenas após a Revolução de Abril e sobretudo, em virtude da entrada em vigor da Constituição de 1976, que assente no princípio liberal da igualdade, impulsionou reformas legislativas importantes (entre as quais se contam a do próprio Código Civil, aprovado em 1966) que redundaram na aproximação dos direitos civis e políticos e no esbatimento das diferenças entre cidadãos dos dois sexos. Logo em 1974 Maria de Lurdes Pintassilgo entra num governo provisório com a pasta dos Assuntos sociais, tornando-se na primeira portuguesa a desempenhar funções de Ministra. Cinco anos mais tarde repete a posição de pioneira, quando é convidada pelo general Ramalho Eanes para presidir ao Vº Governo Constitucional (conhecido como o «governo dos 100 Dias»), um executivo constituído por iniciativa do próprio Chefe de Estado, à margem do jogo da disposição parlamentar das forças políticas, e que deveria assegurar a gestão dos negócios públicos até à realização das eleições legislativas de 1980. Em 1986 seria também a primeira mulher a candidatar-se à Presidência da República, recolhendo cerca de 7% dos votos na primeira volta, e não passando assim à segunda, disputada por Mário Soares e Freitas do Amaral.

Estes “marcos históricos” em matéria de igualdade de género no campo político, coabitaram cronologicamente com os que se foram registando na vida académica e científica. Em coerência com a ideia, durante tempos enraizada, de que os patamares superiores do ensino e da instrução estavam reservados aos cidadãos de sexo masculino, as primeiras mulheres portuguesas a concluírem cursos superiores fá-lo-iam apenas a partir de finais do século XIX, num processo lento, que as levaria paulatinamente aos mais altos cargos da carreira académica: Elisa Augusta da Conceição Andrade, primeira portuguesa a licenciar-se em Medicina, concluiu o curso em 1889; mais de 20 anos depois, Regina Quitanilha seria a primeira mulher a licenciar-se em Direito em Portugal. O primeiro doutoramento seria de Isabel Magalhães Colaço, também em Direito, concluído em 1954. Magalhães Colaço, filha de um respeitado pedagogo e jurista, licenciou-se em 1948 com média final de 19 valores e foi também a primeira professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa (actualmente a única professora Catedrática da Faculdade, de entre os 15 docentes que ascenderam a este grau, é a penalista Maria Fernanda Palma).

No plano político, tem-se assistido a progressos significativos a nível internacional, alguns do quais de importante relevo simbólico: na Noruega o governo é constituído por 60% de mulheres e 40% de homens; na Alemanha, Angela Merkel tornou-se a primeira alemã a presidir ao governo, ao derrotar o chanceler Gerhard Schröder, do SPD, nas eleições legislativas de 2005 e mais recentemente Michelle Bachelet foi eleita Presidente do Chile. Menos sucesso tiveram Ségolène Royal (que perdeu, contra Sarkosy, as Presidenciais francesas de 2007), Benazir Bhutto, líder da oposição paquistanesa assassinada no ano passado, e deverá ter Hillary Clinton, senadora norte-americana de Nova Iorque, que, ao que tudo indica, será afastada por Barack Ob Ama na corrida à nomeação democrata à presidência dos Estados Unidos.

Em Portugal já se discutiu a possibilidade da fixação de “quotas obrigatórias” de candidatos do sexo feminino nas listas apresentadas às eleições legislativas. O Parlamento português é no entanto um dos que melhor assegura a “repartição equitativa” entre sexos, quando comparado com a média europeia, o mesmo não se podendo dizer do actual governo que conta apenas com duas Ministras (Ana Jorge e Maria de Lurdes Rodrigues) num total de dezassete pastas.

Cumpre, no entanto lembrar, que o acesso de mulheres aos cargos mais importantes da actividade política não pode nem deve ser imposto por via legislativa, como já se chegou a pensar. A afirmação deve fazer-se pelo esforço, pela persistência e pela qualidade. É que, se ser mulher (assim como ser homem, ser branco ou negro, ser ou não portador de qualquer deficiência ou qualquer outra característica particular que “identifique” um cidadão) não deve ser motivo para se estar afastado de qualquer actividade, também não pode servir de justificação para se estar automaticamente incluído nela, por via legislativa e sem que o próprio interessado tenha “conquistado o seu espaço”. A sociedade contemporânea não é mais a sociedade de ordens da Idade Média, onde os diversos grupos e sensibilidades tinham os seus direitos próprios (de grupo) e se acomodavam num espírito colectivo e hierarquizado, unanimemente aceite; é uma sociedade do indivíduo singularizado, sozinho consigo mesmo, com o seu mérito, a sua argúcia ou a sua ousadia.

E a verdade é que, desde Lurdes Pintassilgo, a classe política feminina portuguesa, tem sido muito pouco ousada…
 

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