Vicarious Liability
sexta-feira, março 07, 2008
  Curiosidades sobre o (polémico) tema da Igualdade de Género
Um jornal de hoje noticiava, com base em dados do EUROSTAT, que o índice de participação das mulheres portuguesas na vida pública se situa em níveis aquém da média dos demais países da UE. Na véspera da comemoração do Dia da Mulher, estes dados parecem abrir a porta a uma reflexão interessante.

São evidentes as conquistas em matéria de igualdade de género, desde as primeiras pressões dos Movimentos Feministas ainda no século XIX até às Democracias Contemporâneas. Mas continua a ser ponto mais ou menos evidente que, mau grado a consagração formal dessa igualdade (princípio que tem inclusivamente dignidade constitucional, cfr. o art. 13 da Constituição, e sobretudo o nº 2 desse mesmo preceito que proíbe discriminações em razão de um conjunto de factores entre os quais se conta precisamente o “sexo”), materialmente continuam a fazer-se sentir diferenças acentuadas, da vida laboral à participação cívica, com destaque para o sector da intervenção política.

À excepção das duas Monarcas (D. Maria I e D. Maria II), que ocuparam o torno português, respectivamente nos séculos XVIII e XIX, por curtos períodos de tempo, e, (ainda assim) tendo ascendido ao cargo por via hereditária, a primeira experiência política feminina de relevo, em Portugal, aconteceria apenas em 1935 quando Domitila Carvalho, Maria Guardiola e Cândida Pereira são designadas deputadas à Assembleia Nacional, num ambiente dominado por homens. Mais de trinta anos depois e já perto do final do regime autoritário, Maria Teresa Lobo torna-se na primeira a chegar ao Governo como subsecretária de Estado da Assistência (1971).

Mas os avanços significativos dar-se-iam apenas após a Revolução de Abril e sobretudo, em virtude da entrada em vigor da Constituição de 1976, que assente no princípio liberal da igualdade, impulsionou reformas legislativas importantes (entre as quais se contam a do próprio Código Civil, aprovado em 1966) que redundaram na aproximação dos direitos civis e políticos e no esbatimento das diferenças entre cidadãos dos dois sexos. Logo em 1974 Maria de Lurdes Pintassilgo entra num governo provisório com a pasta dos Assuntos sociais, tornando-se na primeira portuguesa a desempenhar funções de Ministra. Cinco anos mais tarde repete a posição de pioneira, quando é convidada pelo general Ramalho Eanes para presidir ao Vº Governo Constitucional (conhecido como o «governo dos 100 Dias»), um executivo constituído por iniciativa do próprio Chefe de Estado, à margem do jogo da disposição parlamentar das forças políticas, e que deveria assegurar a gestão dos negócios públicos até à realização das eleições legislativas de 1980. Em 1986 seria também a primeira mulher a candidatar-se à Presidência da República, recolhendo cerca de 7% dos votos na primeira volta, e não passando assim à segunda, disputada por Mário Soares e Freitas do Amaral.

Estes “marcos históricos” em matéria de igualdade de género no campo político, coabitaram cronologicamente com os que se foram registando na vida académica e científica. Em coerência com a ideia, durante tempos enraizada, de que os patamares superiores do ensino e da instrução estavam reservados aos cidadãos de sexo masculino, as primeiras mulheres portuguesas a concluírem cursos superiores fá-lo-iam apenas a partir de finais do século XIX, num processo lento, que as levaria paulatinamente aos mais altos cargos da carreira académica: Elisa Augusta da Conceição Andrade, primeira portuguesa a licenciar-se em Medicina, concluiu o curso em 1889; mais de 20 anos depois, Regina Quitanilha seria a primeira mulher a licenciar-se em Direito em Portugal. O primeiro doutoramento seria de Isabel Magalhães Colaço, também em Direito, concluído em 1954. Magalhães Colaço, filha de um respeitado pedagogo e jurista, licenciou-se em 1948 com média final de 19 valores e foi também a primeira professora catedrática da Faculdade de Direito de Lisboa (actualmente a única professora Catedrática da Faculdade, de entre os 15 docentes que ascenderam a este grau, é a penalista Maria Fernanda Palma).

No plano político, tem-se assistido a progressos significativos a nível internacional, alguns do quais de importante relevo simbólico: na Noruega o governo é constituído por 60% de mulheres e 40% de homens; na Alemanha, Angela Merkel tornou-se a primeira alemã a presidir ao governo, ao derrotar o chanceler Gerhard Schröder, do SPD, nas eleições legislativas de 2005 e mais recentemente Michelle Bachelet foi eleita Presidente do Chile. Menos sucesso tiveram Ségolène Royal (que perdeu, contra Sarkosy, as Presidenciais francesas de 2007), Benazir Bhutto, líder da oposição paquistanesa assassinada no ano passado, e deverá ter Hillary Clinton, senadora norte-americana de Nova Iorque, que, ao que tudo indica, será afastada por Barack Ob Ama na corrida à nomeação democrata à presidência dos Estados Unidos.

Em Portugal já se discutiu a possibilidade da fixação de “quotas obrigatórias” de candidatos do sexo feminino nas listas apresentadas às eleições legislativas. O Parlamento português é no entanto um dos que melhor assegura a “repartição equitativa” entre sexos, quando comparado com a média europeia, o mesmo não se podendo dizer do actual governo que conta apenas com duas Ministras (Ana Jorge e Maria de Lurdes Rodrigues) num total de dezassete pastas.

Cumpre, no entanto lembrar, que o acesso de mulheres aos cargos mais importantes da actividade política não pode nem deve ser imposto por via legislativa, como já se chegou a pensar. A afirmação deve fazer-se pelo esforço, pela persistência e pela qualidade. É que, se ser mulher (assim como ser homem, ser branco ou negro, ser ou não portador de qualquer deficiência ou qualquer outra característica particular que “identifique” um cidadão) não deve ser motivo para se estar afastado de qualquer actividade, também não pode servir de justificação para se estar automaticamente incluído nela, por via legislativa e sem que o próprio interessado tenha “conquistado o seu espaço”. A sociedade contemporânea não é mais a sociedade de ordens da Idade Média, onde os diversos grupos e sensibilidades tinham os seus direitos próprios (de grupo) e se acomodavam num espírito colectivo e hierarquizado, unanimemente aceite; é uma sociedade do indivíduo singularizado, sozinho consigo mesmo, com o seu mérito, a sua argúcia ou a sua ousadia.

E a verdade é que, desde Lurdes Pintassilgo, a classe política feminina portuguesa, tem sido muito pouco ousada…
 
Comentários:
É verdade sim, que as mulheres estão afastadas da política, sinceramente creio que será por opção própria e não por se considerarem “inferiores” aos homens.
Além disso, a política, nos últimos tempos deixa muito a desejar e curiosamente a ministra da educação não serve de exemplo e muito menos de incentivo para que outras Mulheres tentem a carreira politica!
Pessoalmente, nunca escolheria esse tipo de profissão!
Creio que obrigar as mulheres a fazer parte da vida política portuguesa por Decreto não vai resultar, nem seria justo!
Concordo contigo, Ricardo!
Marianne
 
Caro Ricardo,

Como já tem sido hábito, os leitores deste blogue voltaram a ser “mimados” com um post de qualidade.
Quanto ao post em si, devo sublinhar a ideia de que tal tipo de “quotas obrigatórias” seriam, logicamente, e pelos factos já por si apresentados, injustas para com outras pessoas do sexo oposto que concorreriam aos mesmos lugares. O mérito deve ser obtido com esforço e qualidade, ninguém deve ser presenteado com cargos de poder – qualquer tipo de poder – pelo seu sexo.
Acredito que existem muitas mulheres discriminadas, tal como o são indivíduos de cor, obesos, de religião diferente da do empregador, etc. É um problema que deve ser estudado no âmbito da sociologia, com recurso a estudos estatísticos. Mas é claro que todos nós, ponderando bem o assunto, podemos e devemos tirar as nossas próprias conclusões.
Muito resumidamente, e sem base em nenhum estude concreto – correndo o risco de cometer um grande erro –, considero que por norma os homens são mais aptos a tornarem-se em líderes carismáticos e daí a sua forte presença em cargos importantes de decisão empresarial ou estatal.


Cumprimentos.
 
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