Vicarious Liability
O sacrifício de Ferreira Leite
Há pelo menos duas maneiras de um líder, recém-eleito, ganhar verdadeiramente o partido. Uma enfática, emotiva, retórica, galvanizadora no discurso e ambiciosa nos objectivos internos, apesar de estéril em ideias concretas e outra ideológica, programática, fértil em projectos e onde se denota uma “linha de rumo” para o país, mais ou menos consensual, mais ou menos exequível.
Manuela Ferreira Leite, talvez segura dos resultados que obteve nas directas, escolheu precisamente aquela que dificilmente a levará ao sucesso: um discurso plácido, tímido, em tom de conferência, povoado de generalidades mas vazio de objectivos, internos e externos, a médio ou longo prazo.
Ganhar as legislativas de 2009 é o sacrifício que Ferreira Leite se impôs a si própria, embora, ao que parece, não esteja particularmente entusiasmada em consegui-lo. E enquanto assim continuar, parece-me que se aproxima, a passos largos, um dos ciclos políticos mais complexos da nossa vida democrática: um ciclo com uma vitória estéril do PS, sem maioria, um PSD acantonado para a casa dos 20 ou 30% e a extrema-esquerda, florescente em resultados que lhe permitirão elevar o tom do discurso contestatário habitual, e dar o grande contributo à governação a que sempre nos tem habituado desde o 25 de Abril: a oposição, a crítica inconsistente e despovoada de alternativas, o incentivo à barafunda de rua, à ingovernabilidade.
Do PSD não há muito a esperar (como não houve nos últimos anos). Cabe agora ao PS, inverter o rumo do auto-fascínio pela sua governação e pelo seu estilo, da propaganda efusiva de resultados de dimensão microscópica, para se centrar, com rigor, nos problemas do país e admitir as suas fragilidades. Esperemos que seja capaz.
A Selecção Nacional e consciência (tranquila) de Scolari
Em dois anos de blogue, esta é a segunda vez que decidi escrever sobre futebol. E como
na primeira, há dois aspectos que se mantêm: o tema (a Selecção Nacional) e a (baixa) qualidade de análise do texto proposto. Seja como for, desta vez não vou mesmo poupá-los de duas ou três notas sobre o assunto. Mesmo não sendo um dos meus temas de eleição, e, sobretudo, mesmo não sendo um daqueles relativamente aos quais me sinto mais seguro para escrever.
A primeira para constatar uma evidência. As campanhas da selecção nacional de futebol, sobretudo desde 2004, têm-se pautado por um entusiasmo quase electrizante, por uma mobilização do público que toca os limites do exagero. Amplificado pela comunicação social, que se tem entretido a explorar temas conexos com a qualidade desportiva da equipa, de duvidosa pertinência, esse entusiasmo tem resquícios de alienação e permite um pacífico desviar de atenções dos verdadeiros temas centrais da nossa vida colectiva. Graças a isso, em 2004 ninguém se apercebeu da eminente queda de um governo a não ser quando ela era mais do que evidente. Graças a isso também, o malogro do Tratado de Lisboa tem sido discutido muito discretamente, e os atropelos atrapalhados da política do governo Sócrates nestas últimas semanas, estiveram a ponto de nem sequer chegar a ser notados.
A segunda, também evidente, para salientar que, mau grado os exageros, a histeria colectiva tem sido honrada com desempenhos relativamente seguros da equipa e resultados satisfatórios, apesar de não propriamente entusiasmantes (o 4º lugar no Mundial de 2006 e o 2º no EURO 2004 não são, seguramente, um marco que mereça ser comemorado; mas não deixam de ser resultados significativos, sobretudo quando pensados em face do historial da equipa e do seu desempenho ).
Acresce que o sucesso da Selecção não começou com Scolari e esperemos que também não termine por aqui. De facto, desde 96 que a equipa portuguesa tem estado sistematicamente presente em fases finais de provas internacionais e com resultados positivos: quanto a Campeonatos da Europa, em 96 ficou-se pelos quartos de final mas em 2000, depois de uma campanha segura, chegou às meias-finais onde foi batida pela França, campeã do Mundo em 98, que atravessava uma das suas melhores fases e no Mundial de 2002, teve um percurso seguro até ao apuramento, apesar das desastrosas exibições no período final da prova, onde só ganhou um jogo, perdeu com duas equipas de qualidade técnica inferior e não passou da fase de grupos.
Finalmente, mau grado, segundo me parece, não poderem deixar de ser avaliados como positivos, estes 5 anos de Scolari no comando técnico da selecção terminam da pior maneira possível e sem motivos para comemorar. Não só o resultado ficou aquém do que seria exigível (face ao aumento global de qualidade da equipa, é preciso, de uma vez por todas, deixar de se fazer o discurso dos “coitadinhos”, que cada passo positivo que dão devem agradecer à sorte, e que quando são confrontados com a derrota a encaram como algo de natural e inevitável ficando satisfeitos com o que fizeram mesmo quando não a conseguem evitar), como o péssimo timing do anúncio da sua saída (em plena campanha da selecção, sabendo que teria como consequência uma precipitação mediática incompatível com a necessária serenidade da equipa) e o seu discurso tranquilo, quando entrevistado no rescaldo do jogo contra a Alemanha, são mínimo incompatíveis com a histeria colectiva do público que sempre se preocupou em alimentar.
Afirmar-mo-nos de consciência tranquila depois de termos falhado um objectivo que poderíamos alcançar, é algo no mínimo insólito, sobretudo para quem, como o ex-treinador da selecção nacional, parece estar tão habituado a vencer.
Deus
A palavra Deus pode ser invocada para explicar três tipos de situações distintas:
A transcendência, a dúvida, a consciência da mediocridade Humana e o consequente desejo supremo de segurança e protecção; o refúgio, a Fé;
O fado, destino, ou toda a imensa massa de desconhecido que povoa o nosso futuro, os êxitos e as derrotas que sobre nós se abaterão, sem que os possamos prever ou controlar;
A Natureza, o mistério, a lógica indecifrável que rege o ciclo da vida, a explicação do desconhecido;Cada uma delas pode ser entendida de formas mais racionais, mais tácteis, mais conformes ao método e ao bom-senso. Mas até agora, todas as explicações lógicas tentadas nos pareceram insuficientes.
Ex-amigos?
Será que também existem «ex-amigos»? Assim como os ex-colegas, ex-mulheres, e as ex-namoradas? E se existirem, será que os «ex-amigos» são necessariamente inimigos?
O Tratado que morreu antes de nascer
Chamados às urnas, os cidadãos irlandeses – os únicos cidadãos europeus consultados oficialmente sobre a integração europeia – rejeitaram, ontem, por maioria considerável, a ratificação do Tratado de Lisboa, na versão adopta na CIG de Dezembro de 2007, durante a Presidência portuguesa do Conselho.
Há muito que se especulava sobre esta possibilidade, tornada perigosamente mais provável quando foram conhecidas as primeiras projecções sobre o número de votantes – tal como aconteceu no primeiro referendo ao Tratado de Nice, a elevada abstenção era apontada como terreno favorável à vitória do «não», como, de facto, veio a acontecer – mas das principais instituições políticas da União, aos dirigentes dos Estados-Membros – maxime dos mais directamente envolvidos na preparação do Tratado – emergia um silêncio de sepulcro. O silêncio contraditório dos momentos de dúvida, que pretendendo transmitir confiança, só amplifica a insegurança e os receios de um malogro próximo.
Pela segunda vez a União Europeia vê, graças a um referendo, abortadas as possibilidades de “dar um passo maior que as pernas”, avançando para uma experiência de integração política mais aprofundada, ajustada nos bastidores das conferências intergovernamentais, e mantida, no limiar do constitucionalmente possível, à revelia dos cidadãos, sinal evidente de receio de um desfecho menos feliz para o projecto arrojado, como o que hoje será anunciado.
Já aqui escrevia várias vezes que a Europa não podia avançar de costas voltadas para as pessoas, às escondidas, definida nos bastidores. A Europa dos gabinetes e das diplomacias paralelas, das fotos de família em Bruxelas, a Europa que para os cidadãos em geral (e em particular para os portugueses, onde o desconhecimento de certas matérias é um luxo raro para a boa reputação no grupo) é uma imensa massa de desconhecido, está condenada ao fracasso, como por duas vezes ficou demonstrado, de forma bastante evidente.
Tal como aconteceu com Nice, esta rejeição pode não significar liminarmente o fim do Tratado de Lisboa, ou, pelo menos, do seu projecto fundamental – que não é, de resto, muito diferente do apresentado há três anos, sob o epíteto ambicioso de Constituição Europeia. Mas é um convite indeclinável à reflexão, que os EM não devem desperdiçar. A uma reflexão profunda, conducente a alternativas e não a meras alternâncias. A uma reflexão honesta, em que se procurem diagnosticar os verdadeiros problemas (o divórcio entre os cidadãos e a Europa) do processo, para debelá-las, e não arranjar estratagemas para contorná-los.
A integração não pode, nem deve ficar por aqui. Mas, de uma vez por todas, tem que fazer doutro modo. Com as pessoas e não nas suas costas. Com informação e não com demagogia nem manipulação. Com debate sério e não aproveitando-se as questões europeias para se discutir as chicanas da política nacional.
Esse processo de integração, sólido, leal, será certamente lento demais para as ambições políticas dos actuais dirigentes europeus (que procuram, muito justamente, êxitos para acrescentar ao currículo). Mas é o único que nos garantirá que vamos dar passos firmes, de cabeça erguida, sem o espectro de um fracasso predestinado, que, de repente, caia sobre nós condenando todos os esforços à ruína.
P.S – E quem, como eu, se preparava para, na próxima sexta, discorrer sobre o Tratado de Lisboa na de união europeia, é melhor que repense os seus projectos, avaliando se os mesmos não estão condenados a uma «inutilidade superveniente».
A Política-Sacrifício
As eleições internas para a presidência do PSD da passada semana, terminaram, sem surpresas, com a vitória de Manuela Ferreira Leite. Sólida, apesar de não esmagadora, clara mas não entusiasmante. Ferreira Leite confirmou assim, num universo eleitoral restrito (os militantes de um partido, - ou, mas rigorosamente, os militantes que pagaram as quotas e assim adquiriram o direito de votar – ) uma tendência implementada da Democracia portuguesa, confirmada em múltiplos actos eleitorais: a tendência para que as eleições se decidam nas sondagens e no espaço mediático, na tribuna dos comentadores e para que o escrutínio seja uma mera formalização (qualquer dia dispensável) de um resultado já sabido e decidido.
Mas esta vitória representa também a sagração de um certo modo de fazer política, não menos inimigo da Democracia e do debate eleitoral, inaugurado em 1985 por Cavaco Silva quando, ao passar por coincidência, para fazer a rodagem ao carro, pela Figueira-da-Foz, ganhou o Congresso do PSD, sagrou-se Presidente do partido e deu o primeiro e decisivo passo para S. Bento, onde permaneceu, tranquilamente, durante dez anos.
Novamente bem sucedido na campanha para as Presidenciais de 2006, e mais uma vez pela mão do actual Presidente da República, este é o estilo da «política-sacrifício» da “política-coisa-muito-feia” a que ninguém quer pertencer mas que todos, por serem bons patriotas, acabam por sujeitar-se, contra o interesse próprio, e pelo bem-maior da Nação. Foi assim, a contragosto que Cavaco fez o sacrifício de ganhar as presidenciais e Ferreira Leite, do mesmo modo, depois de uma campanha enfastiada, onde o desvelo familiar falou mais alto que o amor ao partido, conquistou um PSD à deriva, que já aceita experimentar qualquer solução de liderança que mantenha acesa a esperança de regressar brevemente ao poder.
Que o desinteresse pela política seja a nota dominante do cidadão comum, não representa propriamente grande novidade. Curioso é constatar que para se fazer política com sucesso também tenha de se estar desinteressado…