A Selecção Nacional e consciência (tranquila) de Scolari
Em dois anos de blogue, esta é a segunda vez que decidi escrever sobre futebol. E como
na primeira, há dois aspectos que se mantêm: o tema (a Selecção Nacional) e a (baixa) qualidade de análise do texto proposto. Seja como for, desta vez não vou mesmo poupá-los de duas ou três notas sobre o assunto. Mesmo não sendo um dos meus temas de eleição, e, sobretudo, mesmo não sendo um daqueles relativamente aos quais me sinto mais seguro para escrever.
A primeira para constatar uma evidência. As campanhas da selecção nacional de futebol, sobretudo desde 2004, têm-se pautado por um entusiasmo quase electrizante, por uma mobilização do público que toca os limites do exagero. Amplificado pela comunicação social, que se tem entretido a explorar temas conexos com a qualidade desportiva da equipa, de duvidosa pertinência, esse entusiasmo tem resquícios de alienação e permite um pacífico desviar de atenções dos verdadeiros temas centrais da nossa vida colectiva. Graças a isso, em 2004 ninguém se apercebeu da eminente queda de um governo a não ser quando ela era mais do que evidente. Graças a isso também, o malogro do Tratado de Lisboa tem sido discutido muito discretamente, e os atropelos atrapalhados da política do governo Sócrates nestas últimas semanas, estiveram a ponto de nem sequer chegar a ser notados.
A segunda, também evidente, para salientar que, mau grado os exageros, a histeria colectiva tem sido honrada com desempenhos relativamente seguros da equipa e resultados satisfatórios, apesar de não propriamente entusiasmantes (o 4º lugar no Mundial de 2006 e o 2º no EURO 2004 não são, seguramente, um marco que mereça ser comemorado; mas não deixam de ser resultados significativos, sobretudo quando pensados em face do historial da equipa e do seu desempenho ).
Acresce que o sucesso da Selecção não começou com Scolari e esperemos que também não termine por aqui. De facto, desde 96 que a equipa portuguesa tem estado sistematicamente presente em fases finais de provas internacionais e com resultados positivos: quanto a Campeonatos da Europa, em 96 ficou-se pelos quartos de final mas em 2000, depois de uma campanha segura, chegou às meias-finais onde foi batida pela França, campeã do Mundo em 98, que atravessava uma das suas melhores fases e no Mundial de 2002, teve um percurso seguro até ao apuramento, apesar das desastrosas exibições no período final da prova, onde só ganhou um jogo, perdeu com duas equipas de qualidade técnica inferior e não passou da fase de grupos.
Finalmente, mau grado, segundo me parece, não poderem deixar de ser avaliados como positivos, estes 5 anos de Scolari no comando técnico da selecção terminam da pior maneira possível e sem motivos para comemorar. Não só o resultado ficou aquém do que seria exigível (face ao aumento global de qualidade da equipa, é preciso, de uma vez por todas, deixar de se fazer o discurso dos “coitadinhos”, que cada passo positivo que dão devem agradecer à sorte, e que quando são confrontados com a derrota a encaram como algo de natural e inevitável ficando satisfeitos com o que fizeram mesmo quando não a conseguem evitar), como o péssimo timing do anúncio da sua saída (em plena campanha da selecção, sabendo que teria como consequência uma precipitação mediática incompatível com a necessária serenidade da equipa) e o seu discurso tranquilo, quando entrevistado no rescaldo do jogo contra a Alemanha, são mínimo incompatíveis com a histeria colectiva do público que sempre se preocupou em alimentar.
Afirmar-mo-nos de consciência tranquila depois de termos falhado um objectivo que poderíamos alcançar, é algo no mínimo insólito, sobretudo para quem, como o ex-treinador da selecção nacional, parece estar tão habituado a vencer.