Vicarious Liability
Ir ao Mundial de Férias
Vou voltar a escrever sobre futebol, com a prevenção inicial de que não sou minimamente especialista no assunto, a qual serve para todas as outras vezes em que me aventure em tais terrenos movediços (dispensando-me, assim, já, de voltar a repeti-la).
Posto isto, a seguinte nota muito breve: se os resultados da selecção de Queirós, são o entusiasmante 6-2 com que nos brindou na passada semana, num jogo particular, e as derrotas ou empates com equipas mais fracas que conseguiu em jogos “a sério”, a contar para a qualificação para o Mundial, a bem da verdade, melhor seria que se não apurassem, porque não podemos esperar figura menos triste que a fizeram em 2002.
Não conheço equipa nenhuma, seja do que for, além da Portuguesa, que vá a um campeonato para fazer turismo, e não para disputar o título. E, como, pelo que se está vendo, é esse o objectivo para 2010, melhor será que fiquem em terra, pois que, para irem de férias, é melhor que cada um as pague do seu próprio bolso. E os nossos augustos representantes desportivos são regiamente remunerados (nos respectivos clubes) para o fazer.
PSD
Desculpa lá Santana, mas vou continuar a não dizer que tu és o candidato a Lisboa, para as pessoas pensarem que sou eu que mando no e que o que disser conta para alguma coisa!
Como diria Manuela Ferreira Leite...
... no auge da sua capacidade de expressão, Maria de Lurdes Rodrigues, ao procurar ignorar que existem escolas a desaplicar a Lei que contempla a avaliação dos docentes, tem feito figura de palhaça.
Com o devido respeito, é a expressão mais significativa que encontro. Compreendo que admitir o contrário seria pôr em causa a sua autoridade política, num momento em que mais precisa dela para resistir à vaga de protestos e manter-se no cargo até ao fim da legislatura. Mas fechar os olhos às evidências e negar o que toda a gente vê, nunca foi uma boa estratégia para tentar mostrar firmeza, e não é agora que será.
Soluções para o problema, não me atrevo a avançar, porque estou demasiado distanciado da realidade dos factos para não correr o risco de dizer trivialidades. Mas não posso deixar de repetir o apelo à serenidade do post da passada semana – que naturalmente, ninguém ouve mas corresponde à expressão da opinião mais comum entre as pessoas “fora da polémica” que conheço – e sobretudo, de lamentar que o Presidente da República, cuja função nestes tempos de acalmia política é precisamente essa, não o tenha feito convictamente e com mais frequência.
Descoberta Tardia
António José Seguro, o mais credível dos opositores políticos de José Sócrates conhecidos (o outro é Manuel Alegre … mas esse ninguém leva a sério) veio esta semana afirmar que “ a arrogância nunca poderá ser marca de um Governo de esquerda”.
É caso para dizer que se a marca de um governo de esquerda é mudar-se de Ministro ou ir-se para baixo da cama a tremelicar, cada vez que se toma alguma medida que pode suscitar contestação popular, como nos tempos áureos dos governos de Guterres, de que o citado fez parte, então eu não aprecio governos de Esquerda e andei todos estes anos enganado.
Sobre as trapalhadas de Manuela Ferreira Leite...
... escreve Filipe Luís na Visão desta semana que “ o desabafo deve ser integrado no contexto e não deve ser empolado. Mas eu, como eleitor, considero preferível um candidato que dê garantias, não só de agir, mas de pensar como um verdadeiro democrata. (…) Os tiques de um político sem genes democráticos vêm sempre ao de cima, em momentos de crise”.
Eu próprio não comentaria melhor. E como não o faria, não me resta muito mais que remeter para a lúcida crónica aqui citada, e acrescentar um ou dois apontamentos pessoais, com os quais talvez o autor não concorde, mas que me parecem absolutamente fundamentais.
Desde logo referir que, apelidar de “ironia” a desastrada referência da Presidente do PSD à possibilidade de “suspensão da Democracia” é um eufemismo, demasiado generoso para quem tem a formação académica e a experiência política necessárias para saber exprimir-se correctamente, e que, provavelmente, não seria concedido a outro dirigente político que proferisse tão sonoro disparate.
É óbvio que Ferreira Leite não quis dizer exactamente o que disse. Mas isso não significa que não o tenha pensado, que não se limite a apenas suportar a Democracia como um regime meramente sofrível que se pode pôr de lado na primeira oportunidade, se razões atendíveis o determinarem.
Avessa à exposição pública e com um percurso que lhe tem permitido seleccionar muito bem o timing e o conteúdo das suas intervenções, para não se trair, Ferreira Leite, escondeu todo este tempo o seu entendimento sobre como deve ser o poder político, para agora revelá-lo aos poucos, implicitamente, nas curtas declarações que faz para quebrar um silêncio precioso para quem tem um pensamento contrário ao sistema onde pretende singrar e pouca capacidade para ocultá-lo quando fala.
Nesse entendimento, como a própria revelou, o casamento é um mero instrumento de procriação, a liberdade de expressão pode ser coarctada quando é incómoda e os imigrantes são referidos com menos deferência, como Seres suspeitos de roubar os postos de trabalho dos cidadãos nacionais e ameaçar a desejada “ordem” do Estado, que uma polícia, bem armada para não “fazer figura de palhaça”, se encarregaria de manter a todo o custo.
Esta constatação, que a mim e a outros verdadeiros Democratas, talvez possa incomodar, não é, no entanto, uma novidade. Dezenas de dirigentes dos principais partidos políticos nacionais, agentes mais directos da Democracia, são, na realidade, avessos a este Regime, sem nunca o terem declarado.
Apesar disso fazem parte do jogo político, porque é nele que saciam a sua ambição de poder, ou simplesmente atingem os lugares certos para ter os contactos e as oportunidades necessárias para fazer parte dos esquemas e das grandes redes de influência, e assim melhorar de vida de uma forma tão cómodo e tão rápida que os que ficam de fora não conseguem imaginar.
Não sou tão utópico ao ponto de acreditar que as pessoas são coerentes, e que, como tal, quando não se revêem numa ideia ou numa instituição, se afastam dela e tentam contrariá-la, não fazem parte do status quo porque é mais prático ou porque querem tirar proveitos.
Simplesmente gostaria de sublinhar que a Democracia, regime que muitos pensam ser uma conquista irreversível, é na verdade o mais vulnerável de todos …
As contradições de Manuel Alegre
Manuel Alegre deu recentemente entrevistas a alguns órgãos de comunicação social onde, no estilo afectado do costume, denuncia os deficits democráticos do governo do PS e se coloca frontalmente contra a política educativa do Ministério de Maria de Lurdes Rodrigues.
Ora, convém lembrar que a liberdade de expressão é uma conquista sublime dos regimes democráticos, mas como qualquer direito, está interna e extrinsecamente limitado nas condições do seu exercício. E Manuel Alegre não é um cidadão comum que, desapaixonadamente, num blogue ou numa conversa de café dá a sua opinião sobre um tema política.
É dirigente e deputado do partido que constitui a maioria parlamentar de apoio ao governo, funções que lhe impõem um dever de contenção que sobre outros não impende.
Toda a gente sabe que a ligação a um partido político traz limitações no discurso e na expressão pública do pensamento, que se não conhecem se nunca abandonarmos a categoria de cidadão independente. Mas também ninguém é obrigado a militar em que partido seja, nem, muito menos, forçado a fazer-se eleger deputado nas suas listas.
É caso para dizer que Manuel Alegre, com todo o seu capital de dignidade e coerência, quer ter todas as vantagens da militância partidária, sem nenhum dos inconvenientes. E pensa que o seu auspicioso passado de luta pela Democracia que lhe confere essa prorrogativa, que mais ninguém tem.
Um Apelo à Serenidade
Já Maquiavel recomendava ao Príncipe, na sua obra dedicada a Lourenço de Medicis, que constitui o primeiro grande contributo moderno para o estudo da Ciência Política: delegar as tarefas impopulares nos colaboradores, para que, depois destes as executarem, o Príncipe possa afastá-los de funções e não ver a sua imagem associada a medidas desagradáveis.
A ideia da remissão da responsabilidade para terceiros, tem acompanhado a História da actividade política ao longo dos séculos e é uma estratégia ainda hoje recorrente em Democracia: as oposições empurram a responsabilidade para o poder, este devolve-a aos governantes cessantes, e aqueles, quando podem defender-se, acusam quem lhes sucedeu de ter desbaratado a herança e falhado todas as promessas.
Do ponto de vista governativo, o passado recente documenta exemplos de Ministros apontados como bodes expiatórios de escândalos incómodos para os seus governos, e afastados de funções em nome da necessidade sanguinária de ver “rolar uma cabeça” que alimenta a opinião pública. Uma opinião pública cega na sua voracidade de encontrar alguém para penalizar, para com o sacrifício reconfortar o seu ego e se convencer que também teve um papel a desempenhar na marcha dos acontecimentos, que teve uma palavra a dizer, mesmo que solenemente ignorada ou irrelevante.
Não discutimos ideias, criticamos pessoas. Não exigimos o fim daquilo que nos incomoda, limitamo-nos a pedir a cabeça de quem teve a ideia de pô-lo em prática. E no fim de tudo, ou a reforma incómoda já está executada e não há o que mudar, ou o sangue do sacrificado basta para que o seu sucessor possa fazer tranquilamente aquilo que antes toda a gente contestava.
Isto tudo para dizer que José Sócrates não pode cometer, com a Ministra da Educação, o erro lamentável que cometeu há um ano com Correia de Campos - demiti-la para a responsabilizar pela crise, e limpar a sua imagem na esperança de um bom resultado eleitoral. A resolução da crise que actualmente opõe o Governo aos docentes, ameaçando a estabilidade necessária para as reformas urgentes reclamadas pelo sector educativo, não passa por encontrar-se um culpado a sacrificar, para acalmar as multidões e depois ficar tudo na mesma.
É necessária serenidade para negociar, humildade democrática para se admitir os erros, e sentido de Estado, de parte a parte, para se reconhecer que estão em causa interesses bem mais importantes do que os interesses próprios de cada um dos envolvidos, que aconselham um diálogo de transacções e cedências mútuas, em nome de valores maiores que a sociedade não pode deixar de exigir que se levem em conta.
Numa Democracia desenvolvida, os governos não caem nem se remodelam ao sabor de manifestações de rua. Mas também não gerem a sua relação com o povo (mais autoritária, ou mais dialogante) em função dos ciclos eleitorais, nem se arrogam em intérpretes exclusivos do interesse público, fechados a opiniões contrárias.
Qualquer pessoa que queira, com seriedade, debater este assunto, está de acordo que tem que haver avaliação nas Escolas. Como no Ensino Superior, na Administração Pública ou nas relações laborais privadas. Avaliar é a única forma de distinguir quem se esforça de quem se arrasta no exercício das suas funções; é a única forma de premiar o mérito e penalizar o absentismo e a displicência. E qualquer avaliação rigorosa há-de necessariamente distribuir as pessoas por categorias diferentes, porque as pessoas em si também são diferentes, em mérito, empenho e formação, e não podem tornar-se “iguais por decreto”, por benevolência ou medo da contestação.
Mas, quando sistematicamente se emenda a mão e adia a institucionalização do quer que seja, é porque o trabalho de preparação não foi feito correctamente, e deixou-se passar para a fase de execução erros estruturais que não podem depois deixar de ser corrigidos.
Toda a gente já compreendeu que o governo falhou na escolha do processo de avaliação. Por pressa, por irreflexão, por contenção de custos, concebeu um modelo inoperacional e incompatível com os objectivos de excelência que tinha delineado para o sector. Assim como tem falhado na fúria estatística de produzir bons resultados, e nas recentes alterações do Estatuto do Aluno, concebidas de forma irracional e inconsequente.
Mas isso não significa que a partir daqui tudo seja permitido. Greves de alunos, mais preocupados em encontrar um expediente para faltar às aulas do que consciencializados da dimensão do direito que pretendem exercer (e que, de resto, não lhes assiste), chuvas de ovos e insultos, disparates. A algazarra de rua é uma perda de tempo fatal em países que, como o nosso, precisam de estabilidade e consenso para se porem em prática as reformas necessárias ao progresso.
E todos os que optarem pela violência, pela arrogância, pelo insulto ou pelo simples aproveitamento político barato de um problema grave, estão a dar um mau contributo à resolução do problema e a prestar um péssimo serviço à Democracia.
É imperioso que os ânimos serenem e que, tranquilamente, o governo e os envolvidos (sindicatos ou outros representantes) se sentem à mesa para procurar uma solução, comparando modelos alternativos, diagnosticando os seus problemas, se necessário começando tudo de novo.
Gaste-se o tempo necessário, não há que temer o dialogo nem a preparção das reformas. O que se deve temer são as más reformas.
Os fãs de Obama
Não vou lembrar que Obama venceu as presidenciais americanas de terça-feira passada, não vou sublinhar o resultado significativo e a participação eleitoral poucas vezes vista que despoletou, nem vou sequer teorizar sobre as razões de ser desta vitória tão expressiva ou especular sobre os seus próximos passos políticos, das primeiras medidas à escolha dos principais rostos da Administração.
Vou apenas indignar-me com a forma obsessiva como esta eleição americana foi acompanhada na sociedade portuguesa, uma sociedade absentista e desinteressada da sua própria política interna, que sistematicamente diz não quando é chamada a pronunciar-se sobre alguma questão relevante e troca a vida pública pelo futebol ou pelas trivialidades mediáticas.
Nos empregos, nos transportes, nas faculdades, houve manifestações de júbilo e suspiros de reconforto. No dia seguinte ao momento que mudou o Mundo, apesar das olheiras reveladoras de uma noite mal dormida, colada à televisão, as pessoas comentavam os resultados eleitorais com um sorriso de entusiasmo estampado no rosto, como se aquilo que os americanos decidiram neste domínio pudesse influir concretamente nalgum aspecto das suas vidas, e como se se sentissem parte de uma comunidade política que não é a sua, e sobre a qual – na maioria dos casos – pouco mais conhecem que os faits divers veiculados pelos telejornais.
Falar do dogma do american way of live, acriticamente absorvido e superlativado pelas sociedades ocidentais, da divinização da figura do Presidente dos Estados Unidos, visto pelo cinema norte-americano como uma espécie de líder do Planeta, seria uma explicação demasiado teórica e intrincada para um fenómeno de compreensão simples, que, em relação a Portugal, se exprime em duas ou três ideias bem simples, embora não particularmente agradáveis: mistificação do estrangeiro.