O Verão da criminalidade
Este foi o Verão da criminalidade, assim como o Verão passado foi do caso Maddie e os anteriores dos incêndios florestais. Até aqui nada de novo: ciclicamente a comunicação social concentra-se num tema capaz de prender as atenções mediáticas e explora-o, detalhadamente, até à exaustão. Em tempo de férias, sem as polémicas do campeonato de futebol e com a actividade política suspensa, esta tendência é muito mais intensa, e, quando não morre ninguém digno de crédito ou não se tem notícia de nenhuma catástrofe, o tema de eleição ocupa, quase na totalidade, o espaço reservado aos telejornais.
A novidade é que, graças à exploração abusiva dos episódios de criminalidade violenta conhecidos nos últimos tempos, há agora nas ruas uma sensação de insegurança, de medo. Uma sensação de descrédito da justiça e das autoridades policiais que as medidas anunciadas pelo governo e pelo PGR não foram capazes de debelar.
Há uma percepção generalizada de que o sistema penal português é frágil e complacente, que as autoridades policiais actuam de forma descoordenada e ineficiente, que o enquadramento legislativo não é eficaz.
Sabe-se que estaticamente alguns tipos de crimes aumentaram – o carjacking por exemplo, o que pode não deixar de ser, como bem notou um colega de blog, um sinal de adaptação do próprio crime aos dispositivos anti-roubo que equipam o parque automóvel mais recente, impossibilitando a conhecida técnica da “ligação directa”. Mas os dados disponíveis estão longe de acusar as tendências de surto criminoso que a cobertura mediática tem desenhado.
A segurança é um direito dos cidadãos contra o Estado, que reclama uma concretização máxima, só possível com medidas mais inteligentes e preparadas e com um poder político que saiba reconhecer os seus erros e corrigi-los atempadamente.
Mas é preciso nunca se perder o equilíbrio entre a segurança e a liberdade, o direito de punir e o respeito pela esfera privada dos indivíduos, sob pena de se cair, como reclama o discurso político da extrema-direita, num clima de “caça às bruxas”, com um poder político militarizado e autoridades policiais “musculadas”, violentas e xenófobas.
Deve distinguir-se o combate ao crime, que se faz de policiamento de proximidade e de autoridades bem equipadas e treinadas, da prevenção – feita de leis penais eficazes e dissuasoras, preventivas, mas, sobretudo, do diagnóstico dos factores criminógenos (como hoje sabemos que são o abandono escolar e os modelos de realojamento ineficientes) e da sua superação.
Pelo lado da comunicação social, há que perceber que este não é um tema que possa ser tratado com a displicência ou a ligeireza com que se exploram os escândalos financeiros e sexuais ou as polémicas desportivas. É um tema que comporta dados que devem permanecer sigilosos para serem eficazes, e que bule directamente com os receios e as expectativas dos cidadãos. Em suma, seria necessária uma comunicação social responsável o que todos sabemos, que na sociedade de vale tudo a que chegámos, talvez seja pedir demais.
Tensão Institucional
A rentrée política deste ano trouxe, para além de habitual troca de acusações entre partido do governo e oposição, uma novidade mediática: a anunciada crise institucional entre S. Bento e Belém, alegadamente despoletada pelo veto político de Cavaco ao Estatuto Político-Administrativo dos Açores, e entusiasticamente amplificada pela comunicação social nos últimos dias.
Ao contrário do que se costuma dizer, Portugal não é um país de brandos costumes, não se dá bem com a tranquilidade e não quer que a estabilidade vá além dos programas teóricos ou dos discursos de campanha eleitoral. Do que todos gostamos é de barulho, de troca de acusações, de apontar culpados, pedir cabeças, e depois vê-las rolar decapitadas, com um prazerzinho sanguinário.
Com efeito, há muito que aguardávamos expectantes a primeira escaramuça institucional desta coabitação que já se temia insipidamente pacífica e cooperante. Ei-la, a propósito de um tema que está longe de ser estruturante: Cavaco, sedento de marcar terreno depois de mais de dois anos de cooperação silenciosa, puxou pelos galões na inoportuna comunicação ao país de Julho passado; o PS, por seu turno, insiste em não deixar cair a pleonástica audição do Presidente do Governo Regional, em sede de dissolução do Parlamento Regional, e permitiu que Carlos César viesse a público, desastradamente, falar em chantagens e insinuar uma confirmação parlamentar em caso de aposição de novo veto.
Estão assim fechados os contornos de um cenário de “medição de forças” entre Presidente da República e maioria parlamentar, habitual destas conjunturas políticas, e, por isso mesmo, pouco preocupante.
O episódio não vale por si mesmo. Vale pelo que nos permite prever quanto à evolução futura das relações institucionais entre o governo e Belém. Desde o início sabíamos que o remanso dos primeiros tempos do mandato presidencial era estratégico e que Cavaco, depois de uma campanha e de um discurso de posse onde denunciou uma tónica intervencionista, não se arriscaria a ficar para a História como um presidente mais normalizador que o próprio Sampaio.
Conhecíamos além disso, os planos que alguns dos apoiantes mais próximos faziam para esta magistratura – aguentar o governo o tempo necessário para que o PSD se fortalecesse na oposição e depois aproveitar uma crise política para acenar com a dissolução, marcar eleições e fazer o partido regressar ao poder, com um líder mais prometedor que Marques Mendes ou Menezes e depois de estes terem aguentado os tempos quentes da travessia no deserto.
Resta-nos agora saber, que tipo de intervenção o próprio decide seguir: a via mais revanchista protagonizada por alguns apoiantes? ou a via de um mero Presidente participativo? Ambas terão os seus custos, e, se escolher a segunda, Cavaco arrisca-se a ficar conhecido como um dos piores Presidentes da IIIª Republica, um dos que menos entendeu o sentido da independência associado ao exercício deste tipo de funções, e assim, ironicamente, igualar Mário Soares, que acusava de “força de bloqueio” no período final da primeira coabitação.