Vicarious Liability
O regresso do síndrome Guterres
O “síndrome Guterres” voltou a atacar em S. Bento. Depois de vários meses de postura decidida e fechada ao diálogo, o Ministro da Saúde, Correia de Campos, cedeu ontem na questão do encerramento das urgências de vários Hospitais Nacionais. Cedência abrupta e impensada, que ninguém entendeu muito bem em que termos e com que justificação, redundando em capitulação.
Independentemente das consequências concretas que o encerramento de cada um destes serviços de urgência teria para as populações locais – que deveriam ser ponderadas caso a caso, com rigor técnico e em articulação com as exigências globais de restruturação do SNS – esta não é uma boa maneira de resolver os problemas. A coragem política – de que o Governo se arroga – é incompatível com a cedência a manifestações de rua.
Conflitos de Informação
Recebo uma mensagem escrita – daquelas enviadas a centenas de destinatários – onde me dão conta de que o “serviço de urgências do Hospital do Montijo está garantido” em virtude da assinatura de um protocolo entre a Câmara Municipal e o Ministério da Saúde. Duas horas depois, um grupo de cidadãos decide exercer o seu direito fundamental de reunião e manifestação (v. art. 45 CRP, para quem quiser confirmar que ainda existe) através de um buzinão pelas ruas da cidade que faz um barulho ensurdecedor. Na frente estão, ao que vislumbro, dirigentes locais do PSD e do PCP (auspiciosa união) e o motivo é, precisamente, o encerramento das urgências do Hospital!
Quando o barulho serena, volto para o “regime do abuso de posição dominante”, com menos vontade do que a que tinha antes. As gentes andam confusas.
Da pouca sorte de Marques Mendes - para fugir à fúria estatística do último post e continuar a falar de política (para variar)
Marques Mendes é seguramente um homem de pouca sorte. Se já não bastasse a oposição frágil e constantemente dificultada pelas circunstâncias – as quais tendem a soprar de modo favorável ao governo, por vezes independentemente de mérito ou sentido de oportunidade –, o escasso prestígio interno e a “defraudada” vitória nas presidenciais – uma vitória inútil, dir-se-ia, se atentarmos aos contornos dos primeiros tempos de coabitação Cavaco-Sócrates – veio agora o recente escândalo na CML estragar-lhe os dividendos políticos que tinha tirado da eleição de Carmona Rodrigues em 2005.
Com a sua imagem de “tecnocrata” impoluto, Carmona era o expoente da estratégia autárquica de “rigor e verticalidade” pregada pelo Presidente do PSD, que o levou a afastar da corrida eleitoral alguns pesos pesados com telhados de vidro – Valentim Loureiro e Isaltino Morais, são os exemplos mais conhecidos – e a arcar com as respectivas consequências.
De missionário de mangas arregaçadas, entusiasmado com a perspectiva de trabalho, Carmona degradou-se em símbolo de desnorte e de poder saturado com os seus próprios erros e contradições. Permaneça ou não na Câmara até 2009, com ele leva uma parte do prestígio de Marques Mendes. E é Santana Lopes, auspiciosamente retirado da corrida à CML por se temer um desaire, quem deve, neste momento, assistir à cena reconfortado.
Espaço religioso
Depois de alguns atritos devido ao excesso de referências à religião católica, resolvi aproveitar um folheto colocado na minha caixa do correio para divulgar outra doutrina religiosa. A feliz contemplada com a publicidade gratuita é a
Igreja Adventista do Sétimo Dia Movimento de Reforma, que nos dá os sinais óbvios do eminente fim da humanidade. Eu já desconfiava desde que vi o Bueno marcar quatro golos em vinte minutos, agora não tenho a mínima dúvida.
Notas de rodapé:
Tive que digitalizar também a parte frontal do folheto, com o sinal de stop; para os que interpretam de forma mais literal é um bom sinal para nem sequer o abrir.
É de destacar também o bom português de todo o texto.
Aquela parte dos teatros era bom que fosse verdade.
Eles vêm visitar a nossa casa! E ainda por cima a visita é simpática! Espero que tragam as sobremesas e ajudem a arrumar a loiça depois.
Estatísticas de 32 Anos de Poder
No dia em que se completam dois anos sobre a chegada ao poder do actual partido do Governo, deixo-vos com alguns dados estatísticos sobre o que têm sido estes 30 anos de Democracia Constitucional Portuguesa, sobretudo em matéria de governação.
· Nº de legislaturas (mandatos da AR) – 10; poderíamos ter tido apenas 8;
· Nº de governos – 17. Poderíamos ter tido apenas, os mesmos 8 (tendo em conta que, em sistemas semi-presidenciais, via de regra, o “mandato” do governo coincide com a duração da legislatura). Destes, apenas 3 estiveram em funções no período correspondente à legislatura (4 anos): o XI e XII presidido por Cavaco Silva, e o XIII liderado por António Guterres. Todos os restantes interromperam o mandato em virtude da dissolução da AR ou da demissão do primeiro-ministro. Deste total, 3 governos foram de iniciativa presidencial (o III, o IV e o V), tendo tido como primeiros-ministros, respectivamente, Nobre da Costa, Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintassilgo;
· Nº de governos maioritários – 8 em 17. Destes 8, apenas 3 foram sustentados por um só partido político na Assembleia (o XI e o XII – maioria absoluta do PSD; e o XVII, maioria absoluta do PS); os restantes cinco resultaram de uma coligação entre PSD, CDS e PPM (AD) – o VI, o VII e o VIII – ou entre PSD e PP – o XV e o XVI. Só 2 cumpriram na íntegra o mandato;
· Partidos que estiveram no Governo – PS, PSD e CDS (o último apenas em coligação);
· Nº de vezes que cada um deles esteve no governo – PS: 6 (4 sozinho e 2 em coligação com o CDS e com o PSD); PSD: 8 (3 sozinho e 6 em coligação com o CDS, o PPM e o PS); CDS: 6 (todas elas em coligação);
· Nº médio de anos que os referidos partidos estiveram no governo – PS: cerca de 13 anos; PSD: cerca de 18 anos; CDS: cerca de 7 (média das suas 6 participações em coligações governamentais);
· Nº de primeiros-ministros desde a entrada em vigor da Constituição – 11 (num período correspondente, Espanha teve apenas 6!). Destes, apenas 4 exerceram funções mais do que uma vez (Mário Soares, Pinto Balsemão, Cavaco Silva e António Guterres) e apenas 2 o fizeram de forma sucessiva (Cavaco e Guterres).
· “Curiosidades” sobre os primeiros-ministros –
Sexo: Masculino (10); Feminino (1 – Lurdes Pintassilgo);
Formação Profissional: Juristas (6), Professores Universitários (2, sendo Mota Pinto Professor de Direito); Engenheiros (4);
· Nº de Presidentes da República – 4, tendo três deles cumprido 2 mandatos sucessivos. A França, em igual período teve 3, mas apenas dois cumpriram 2 mandatos (Miterrand e Chirac).
O primeiro é considerado muito interventivo (Eanes), Soares terá assumido um cunho mais intervencionista no segundo mandato, Sampaio ficou conhecido pelo seu pendor parlamentarizante não se podendo por enquanto fazer qualquer balanço quanto a Cavaco. Ainda assim, à excepção do actual, todos usaram o poder de dissolução da AR. Todos eles (à excepção de Eanes) enfrentaram um período de “coabitação”, de entre os quais, o mais longo foi o do Presidente Soares (de 86 a 95), com 2 maiorias absolutas do PSD e o primeiro-ministro Cavaco Silva;
· Cargos Políticos importantes ocupados pelos Presidentes antes de serem eleitos – Eanes (nenhum muito relevante); Mário Soares (Deputado, Ministro e Primeiro-Ministro); Jorge Sampaio (Deputado e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa); Aníbal Cavaco Silva (Ministro, Primeiro-Ministro e Presidente do Conselho da Europa – 1992);
O pós referendo com uma semana de atraso (*)
Uma semana depois do referendo à IVG, momento que alguns consideraram de viragem na sociedade portuguesa, se pensarmos calmamente no que é que de facto vai mudar, corremos o risco de ficar desiludidos. É claro que o “sim” foi um resultado importante, que pode ser um primeiro (e só o primeiro) passo no combate ao aborto clandestino. Mas não menos verdade é que, mudanças muito mais significativas já se fizeram de modo mais discreto. Mais do que um factor de mudança social, o resultado do referendo à despenalização do aborto foi uma manifestação do sentido de oportunidade política de José Sócrates, - (*) que de facto, têm razão os leitores mais atentos, não me contagiou! - e mais um trunfo a somar à colecção dos que tem conquistado nestes últimos dois anos. É o primeiro-ministro quem verdadeiramente pode respirar de alívio. E não consta que precise de fazer nenhum aborto.
Salazar e os Grandes Portugueses
Muito se tem escrito na blogosfera sobre o programa «Grandes Portugueses» da RTP, muito se tem discutido a inclusão de Salazar e de Cunhal na lista dos dez finalistas. Para não repetir o que já foi dito e não cansar os leitores com aquilo que já toda a gente sabe, limito-me a explicar por que é que acho criticável que estes dois nomes figurem na tabela final (que até poderia ter surpresas bem mais desagradáveis). É que sendo ambos políticos, reuniram as características menos desejáveis para a classe: a indiferença à evolução dos tempos, a inflexibilidade cega, a obstinação, o alheamento da realidade.
Dia dos Namorados
Tive por conveniente tomar este dia de conteúdo especial como objecto de uma mensagem dos autores deste Blogue a todos os leitores, frase esta que, sendo mítica e lendária, não terá
a priori, direitos de Autor, pelo que vamos fruir e usufruir dela para nosso proveito.
"O amor é verde... Veio uma vaca (ou boi)
e comeu-o." - e tudo isto ocorreu...
"numa tarde solarenga de Domingo."
É esta a mensagem que dirigimos, como expressão de lamento, que aliás foi afixada no famosíssimo "Muro das Lamentações" da FDL, pela nossa infelicidade (ou, em alguns casos mais gravosos, inexistência total e absoluta) na vida amorosa. Bom, vá lá... Infelicidade (ou inexistência) de pelo menos 3 dos membros... Bom, tendo em conta as paixões platónicas do David por certas e determinadas docentes da nossa segunda casa, talvez 2. E isto, claro, se não contarmos com as freiras do André e com as "casaquinho de malha" do Ricardo! E não, não quero com isto dizer que sou eu o infeliz! Bem pelo contrário, já estive mais perto desse estágio,
Dei Gratia!
Em suma, votos de um libidinal Dia de São Valentim para vós, amantes da luxúria e do amor carnal! (isto também nos inclui a nós, como é bom de ver!)
Foi nisto que (não) votámos
Aviso: este post não contém referências religiosas, não tem tanta piada como os do André, nem demonstra o desalento emotivo justificado nos do Diogo, muito menos o rigor e sobriedade dos do Ricardo. Não deixa de ser, contudo, demasiado longo.
No referendo ganhou quem merecia, a abstenção, no primeiro escrutínio em que eu nem contribuí para tal. Se tivesse tanta certeza sobre os números do euromilhões como sempre tive a certeza de que este referendo não ia ser vinculativo, estaria a escrever isto ao mesmo tempo que uma linda mulher me massajava as costas, num
bungalow no mar límpido das Caraíbas, depois de uma cansativa viagem no meu jacto particular… ou então nem queria saber do blog. Quanto ao maior número de votos do sim sobre o não pouco importa, primeiro porque a lei iria sempre surgir, mais tarde ou mais cedo, e depois porque tenho cada vez mais a ideia de que muita coisa vai ficar na mesma com uma mudança da lei penal nestes moldes (não me apetece falar sobre isso por enquanto, fica a ideia).
Uma das coisas que me inquieta nestas situações, e de certeza não fui o único a ter este sentimento, é o milagre da multiplicação de movimentos contra e a favor, e consequentemente o milagre da multiplicação de subsídios para os mesmos. Além dos partidos, foram ao nosso bolso dezanove grupos de cidadãos eleitores, cujos nomes e contactos estão no site da Comissão Nacional de Eleições. Resolvi, então, analisar em pormenor um de cada lado da barricada.
Plataforma “Não Obrigada”:
Como o próprio nome indica é uma plataforma; e, como é a favor do não, resolvi ler o dicionário mais arcaico que encontrei. Foi numa edição do Círculo de Leitores de 1985 que li, entre outras, as seguintes definições para o substantivo feminino plataforma: “construção de terra ou de madeira sobre que se assentam quaisquer objectos pesados” (a menos que tal construção seja o cadafalso, e os objectos pesados as criminosas que abortaram, não me parece que tenham querido dizer isto); parte elevada, à altura da carruagens, nas estações dos comboios, para facilitar a entrada e saída de passageiros (com um orçamento de 427735 € não acredito que tenham andado muito de comboio, mesmo que os bilhetes não sejam muito baratos).
Aqui está uma definição que pode servir: “proposta ou medida conciliatória procurando uma solução para pontos de vista ou interesses diferentes”; esta sim, pode descrever um movimento que se quer moderado, disposto a ouvir as duas partes e escolher argumentos razoáveis para mostrar o seu ponto de vista, que será necessariamente eclético. Não servirá, no entanto, para caracterizar um movimento que utiliza como um dos principais argumentos o “não pago impostos para abortos” (eu também não quero pagar impostos pelo Benfica e tenho que os pagar, porque assim decidiu o Governo de Durão Barroso).
Em Movimento Pelo Sim, Interrupção voluntária da gravidez – A Mulher decide, a Sociedade respeita, o Estado garante:
Este é o meu preferido, com um nome tão grande que só é ultrapassado pelo de D. Duarte e sua prole, mas que tem tanto de grande como de estúpido. A parte que menos discuto é “em movimento”, porque devem ter ido passear a algum lado durante a campanha, até porque são pagos para isso. A parte da “interrupção voluntária da gravidez” já levanta algumas questões, não tanto a voluntariedade, mas mais o eufemismo “interrupção”, porque o aborto não é um acto em que se “interrompe” mas sim em que se “termina definitivamente” a gravidez; mas como é uma expressão mais bonita que “aborto” e está generalizada, usem-na à vontade.
“A mulher decide” já me causa mais estranheza, porque da última vez que ouvi falar do assunto é preciso também um homem para surgir um feto, e, se este nasce, esse homem é obrigado a assumir todos os compromissos legais, com ou sem o seu consentimento, até ao resto da vida, logo que se prove que é o pai. Seguindo a lógica, pode a ex-futura mãe simplesmente renunciar à maternidade mesmo antes dela existir, com ou sem consentimento do pai da criança?
“A sociedade respeita” é de facto muito bonito, mas estamos a falar da mesma sociedade que não respeita as leis que existem, qual é a garantia de respeito pelas que virão?
E a cereja no topo do bolo: “o Estado garante”. Estamos a falar do Estado português, que deve mais aos particulares do que os particulares lhe devem e que já não é pouco. O mesmo que na Constituição tem, por exemplo no artigo 65º nº1, “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto (…)” e nunca passou pela cabeça de ninguém que uma família carenciada com oito filhos, a viver num T0, possa exigir uma casa com dez assoalhadas e empregada de limpeza, tudo por conta do Estado.
Para finalizar, pergunta de casa: porque será que os movimentos “Juntos pela Vida” e “Diz que não” têm a sede exactamente na mesma morada, no concelho de Isaltino (ex-Concelho de Oeiras), mais concretamente em Linda-a-Velha?
Hipótese A: para ter o dobro do trabalho.
Hipótese B: para ter o dobro da receita.
Cinzentismo Oportuno
A um dia da votação para o mais polémico referendo dos últimos tempos em Portugal (e certamente, na minha opinião, o mais inútil), e apesar de eu próprio já estar absolutamente entediado de ouvir os argumentos e contra-argumentos do "Sim" e do "Não" sobrepostos e expostos consecutivamente, não posso deixar de escrever sobre um assunto que considero ser de basilar importância e que vem, claro está, associado ao debate do referendo e às posições dos Movimentos Cívicos e dos Partidos Políticos a favor e contra a despenalização do aborto, e é esse assunto o cinzentismo oportunista (e oportuno) tomado como estandarte por ambas as facções, quer o "Não", quer o "Sim", recentemente, a pouco tempo da chegada da data da votação.
Ora, por cinzentismo oportuno (e oportunista) entendo eu ser a tomada de posições opostas e congénitas à facção cívica ou política rival a título de compromisso, podendo estas ser moderadas ou centristas, ou radicalmente opostas, em certos casos; tudo isto visando atingir o objectivo populista e eleitoral da conquista de mais uns quantos votos para o lado do "Sim" ou do "Não".
Vamos a exemplos concretos? Com certeza. Sendo o "Não" contra a despenalização do aborto, comprometer-se a "lutar" para que, dando-se o caso de o "Não" vencer, se caminhe na feitura de nova legislação sobre o aborto que permita verdadeiramente não imputar qualquer responsabilidade criminal na mulher que cometa o aborto - ou outro ainda, neste caso para o "Sim"; sendo o "Sim" pela despenalização do aborto, e implicitamente, pela inevitável liberalização do aborto, ainda que não propositadamente (porque não sejamos hipócritas - se a despenalização é "causa", a liberalização será o "efeito"), dando-se o caso de o "Sim" vencer, comprometer-se este movimento a também ele "lutar" para que, na feitura de nova legislação sobre o aborto, sejam tomadas medidas preventivas com critérios de razoabilidade para que se tente prevenir ao máximo uma generalização da prática do aborto como medida contraceptiva, ou seja, prevenir, enfim, a liberalização do aborto.
Já viram a definição, e já viram os exemplos à qual ela se reporta. Vamos então às consequências para o eleitorado: tédio, descrença na integridade valorativa e nas causas arguidas por ambos os movimentos, tomada de consciência sobre a incoerência das posições cimeiras tomadas por ambas as facções e sobre o populismo afecto à conquista de mais uns quantos votos, em nome de interesses sujos, sejam eles de índole económica ou político-ideológica. Estas são as consequências que pelo menos para mim se tornaram reais, embora nunca absolutas, face a tal cinzentismo oportuno (sublinhe-se também, mais uma vez, e oportunista!) levado a cabo nestes últimos momentos antes do referendo, para captar os votos dos indecisos e até de alguns eleitores mais pragmáticos que não tenham levado ao extremo a absolutização dos seus valores (ou ausência dos mesmos).
Ora isto é criticável, claro, no sentido de ser comparável a uma atitude semelhante àquilo que se chama de "vira-casacas", e é grave assistir-se a tal atitude quando estão em causa valores fundamentais defendidos pela Ordem Jurídica como a vida dos nascituros, do lado do "Não", ou a vida e a dignidade das mulheres enquanto Seres Humanos, do lado do "Sim". É principalmente grave porque quando se pesam valores como estes e se chega a uma conclusão, seja ela a favor de um ou de outro dos valores em causa, é suposto que se tenha feito um juízo moral e ético sério e coerente com a crença intrínseca e superior naquilo em que se acredita ser o mais importante e o valor mais pesado, aquele que eventualmente vence na consciência de cada um sobre o outro. E este cinzentismo político parece deturpar, de certo modo, os valores fundamentais defendidos por uma e por outra facção, em nome de pura política, bem ao estilo das lições do Professor Maquiavel. Não creio que assim deva ser...
No entanto, e como estamos a falar de um cinzentismo que é oportuno, ironicamente, e se de facto o movimento que vencer honrar o seu compromisso, coisa que considero francamente difícil - tenho alguma dificuldade em conceber um movimento como o "Jovens pelo SIM" a perdurar no tempo o suficiente para se bater pela tomada de medidas razoáveis e preventivas no procedimento legislativo no sentido de prevenir que o aborto se generalize como medida de contracepção - e o mesmo para os movimentos do "Não" - a sociedade civil e o povo, a civilização, em geral, pode vir a beneficiar bastante com tal facto. Isto porque, dando-se a hipótese de o "Sim" ganhar, e se, volto a sublinhar, o "Sim" honrar o seu compromisso, pode, efectivamente, vir a ser criada uma lei que, despenalizando o aborto criminalmente, venha igualmente a tomar medidas muito razoáveis e bastante preventivas no sentido de impedir que a despenalização venha a produzir o indesejável efeito de "generalização" do aborto (e creio que indesejável efeito é uma opinião consensual, entre os apoiantes do "Sim" e do "Não"). E o mesmo se passando com a hipótese de o "Não" ganhar; verificando-se este facto, se o "Não" honrar o seu compromisso, pode também vir a haver uma reforma da legislação em vigor, no sentido de retirar a responsabilidade criminal como imputável às mulheres que pratiquem o aborto no nosso país.
Vistos os possíveis benefícios deste cinzentismo dualmente oportuno (tanto para o mal como para o bem), resta-nos a angústia e o receio, já bastante comum, entre o eleitorado português, de que mais uma vez, se deposite a confiança do voto numa facção que depois venha a desonrar o compromisso por si assumido. Resta-me, em jeito de conclusão, subscrever na totalidade o caríssimo amigo André Timóteo nos últimos parágrafos do seu penúltimo artigo deste blog, em que este apelava a que se votasse não guiados pelo que seja dito por outrem, mas sim pela via da própria consciência individual. O problema, claro está, é que também o André se esqueceu de que consciência individual, ou bases racionais e lógicas para que esta se possa construir de forma sã, não é o forte da grande maioria do povo Português, daí os "excelsos" resultados eleitorais que vimos a ter desde há 31 anos...
Céu muito nublado com possibilidade de aguaceiros fortes
Eu não queria entrar na discussão, mas (e desculpem-me as autoras das frases pela citação gratuita) não resisti em colocar isto:
Joana Amaral Dias: “Quem anda à chuva molha-se.”
Zita Seabra: “Antes de irem para a chuva, usem guarda-chuva para não se molharem.”