Plataforma “Não Obrigada”:
Como o próprio nome indica é uma plataforma; e, como é a favor do não, resolvi ler o dicionário mais arcaico que encontrei. Foi numa edição do Círculo de Leitores de 1985 que li, entre outras, as seguintes definições para o substantivo feminino plataforma: “construção de terra ou de madeira sobre que se assentam quaisquer objectos pesados” (a menos que tal construção seja o cadafalso, e os objectos pesados as criminosas que abortaram, não me parece que tenham querido dizer isto); parte elevada, à altura da carruagens, nas estações dos comboios, para facilitar a entrada e saída de passageiros (com um orçamento de 427735 € não acredito que tenham andado muito de comboio, mesmo que os bilhetes não sejam muito baratos).
Aqui está uma definição que pode servir: “proposta ou medida conciliatória procurando uma solução para pontos de vista ou interesses diferentes”; esta sim, pode descrever um movimento que se quer moderado, disposto a ouvir as duas partes e escolher argumentos razoáveis para mostrar o seu ponto de vista, que será necessariamente eclético. Não servirá, no entanto, para caracterizar um movimento que utiliza como um dos principais argumentos o “não pago impostos para abortos” (eu também não quero pagar impostos pelo Benfica e tenho que os pagar, porque assim decidiu o Governo de Durão Barroso).
Este é o meu preferido, com um nome tão grande que só é ultrapassado pelo de D. Duarte e sua prole, mas que tem tanto de grande como de estúpido. A parte que menos discuto é “em movimento”, porque devem ter ido passear a algum lado durante a campanha, até porque são pagos para isso. A parte da “interrupção voluntária da gravidez” já levanta algumas questões, não tanto a voluntariedade, mas mais o eufemismo “interrupção”, porque o aborto não é um acto em que se “interrompe” mas sim em que se “termina definitivamente” a gravidez; mas como é uma expressão mais bonita que “aborto” e está generalizada, usem-na à vontade.
“A mulher decide” já me causa mais estranheza, porque da última vez que ouvi falar do assunto é preciso também um homem para surgir um feto, e, se este nasce, esse homem é obrigado a assumir todos os compromissos legais, com ou sem o seu consentimento, até ao resto da vida, logo que se prove que é o pai. Seguindo a lógica, pode a ex-futura mãe simplesmente renunciar à maternidade mesmo antes dela existir, com ou sem consentimento do pai da criança?
“A sociedade respeita” é de facto muito bonito, mas estamos a falar da mesma sociedade que não respeita as leis que existem, qual é a garantia de respeito pelas que virão?
E a cereja no topo do bolo: “o Estado garante”. Estamos a falar do Estado português, que deve mais aos particulares do que os particulares lhe devem e que já não é pouco. O mesmo que na Constituição tem, por exemplo no artigo 65º nº1, “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto (…)” e nunca passou pela cabeça de ninguém que uma família carenciada com oito filhos, a viver num T0, possa exigir uma casa com dez assoalhadas e empregada de limpeza, tudo por conta do Estado.
Para finalizar, pergunta de casa: porque será que os movimentos “Juntos pela Vida” e “Diz que não” têm a sede exactamente na mesma morada, no concelho de Isaltino (ex-Concelho de Oeiras), mais concretamente em Linda-a-Velha?
Hipótese A: para ter o dobro do trabalho.
Hipótese B: para ter o dobro da receita.