Da elevação do Debate parlamentar
«Seu palerma! Nunca chegará a brigadeiro, não passará de um sargento da cagalhota» - Jerónimo de Sousa, num debate na AR, referindo-se a um deputado do PS; 1982, II Legislatura.
Dicionário das expressões frequentes da política portuguesa, que já era tempo de deixar de usar
"As sondagens valem o que valem" – é a frase que tipicamente diz muito sem dizer nada. Pronunciada um pouco por todos os que aguardam uma derrota, nem avalia exactamente qual é o peso das sondagens, nem as menospreza. Claro está que não fica bem a um candidato mal posicionado, admitir, à priori, uma possível derrota. Mas poderia limitar-se a afirmar que iria até às urnas, independentemente das previsões.
"Vou estudar os dossiês" – expressão que ocupa um lugar de luxo no léxico do actual Presidente da República – e que invocava frequentemente nos seus tempos de primeiro-ministro. Equivale a promessa de trabalho. Mas os dossiês governamentais são como a matéria de um exame: não se diz que se estudou, nem se promete estudá-la. Apenas se estuda e demonstra-se conhecimento sobre a mesma.
"Estou disponível para candidatar-me ao lugar “x”" – leia-se, “saiam da frente que o poleiro é meu”. Parece mais claro dizer-se que “quero canditar-me ao lugar x”, ou que “vou fazê-lo”. Porque o exercício de funções na vida pública, não é hoje, para ninguém, uma questão de disponibilidade ou de sacrifício. Apenas de vontade.
"O Ministro Y saíu por razões pessoais, familiares e de cansaço – não, não estou a referir-me a Luís Campos e Cunha, nem a Freitas do Amaral. Também não quero afirmar (grave pecado) que os nossos governantes andam por aí a contraír o síndrome Maria Elisa.
Só que, via de regra, os Ministros não saem para ter mais tempo para ir com as esposas ao supermercado ou ficar a ver os desenhos animados com os filhos ao sábado de manhã. Também não se demitem para serem pais mais zelosos nem para cumprirem com maior eficiência outros deveres conjugais – pensa-se que o serviço à causa pública (penosa tarefa), ainda lhes reserve algum entusiasmo para se entragarem a outras causas privadasporventura não tão úteis para o bem da Nação
Demitem-se porque se incompatiblizaram com o primeiro-ministro, porque se tornaram incómodos, ou porque encontraram cargo mais útil noutro lado.
"Ainda não decidi, tenho de consultar a família" – pois caros amigos, isto não é necessariamente sinónimo da existência de decisões participadas no lar do político em questão. Também não significa que é um falhado e que a mulher é que manda nele. Sequer que as criancinhas de 4 anos, possam apresentar uma dissertação ponderada sobre as vantagens e as desvantagens do pai aceitar determinado lugar. Quer apenas dizer que a decisão está tomada, mas que não é o melhor momento para apresentar.
"Estamos a trabalhar" – é a expressão mais querida do léxico de um primeiro-ministro ou de qualquer outro titular de um órgão com funções executivas. Só que, tal como os dossiês, o reformismo não se apregoa em frases feitas a saber a sorrisos e inundadas de nada. O reformismo sólido, é aquele que se conhece mesmo sem o seu autor o publicitar.
"O Sr. A era um homem de Bem" – acertaram, frase inevitável em funerais. Comove qualquer jornalista, convida qualquer espectador a reproduzir o mesmo com os amigos no café. Só que lá diz o ditado “de boas intenções está o inferno cheio”. Com efeito, na vida pública, ninguém está interessado em saber se alguém é bom ou mau, afável ou irrascível. Creio que já nos podemos contentar quando cumpre bem as suas funções e não tem mais palavras do que actos.
Santana, dois anos depois
Contraditória a entrevista de Santana Lopes na RTP. Oscilando entre a crítica e a tolerância, a mágoa e o perdão, revelou-se em certos momentos fastidiosa, ou, pelo menos, não tão interessante como prometia ser.
Quase dois anos depois da polémica dissolução Parlamentar que, segundo alguns autores, ligará o nome de Jorge Sampaio à recuperação do conteúdo jurídico-político da responsabilidade do governo perante o Presidente (v. Pedro Lomba em artigo de opinião no DN, a propósito do balanço do decénio do Presidente Sampaio), creio que começamos a estar em condições de analisar os factos com alguma objectividade e de forma mais desapaixonada:
1. Santana ascendeu à liderança do governo em condições efectivamente delicadas. A somar à pesada derrota da coligação nas europeias de Junho de 2004 estava a saída de Durão Barroso – vista por muitos como uma fuga - e o impacto negativo das políticas de contenção e austeridade, de cujos resultados não se viam mais do que sinais exíguos;
2. O povo não percebeu como é que uma pessoa que não foi eleita chegou a primeiro-ministro e formou governo. De facto, uma coisa é o que a Constituição prevê – um sistema de governo semiparlamentar, com responsabilidade do Executivo perante a AR e sua nomeação pelo Chefe de Estado, atendendo aos resultados das eleições parlamentares, mas não dependente da realização destas antes do fim de uma legislatura –, outra é o que as pessoas entendem – presidencialização do cargo de primeiro-ministro e eleições legislativas com carácter plebiscitário relativamente ao governo e um desvio de atenções da designação específica dos Deputados. E na realidade, parece que estas duas perspectivas, são, por vezes, inconciliáveis!;
3. A formação do elenco governativo, foi tudo, menos um exercício de liberdade do primeiro-ministro. Do peso da herança “barrosista” à necessidade de compatibilização com os intentos expansionistas do parceiro de coligação – recorde-se que com a mudança de Governo, Portas “ganhou” mais um Ministério e outras tantas secretarias de Estado, sinal indesmentível do reforço do peso do CDS - passando pelas indicações genéricas gizadas pelo PR – do cumprimento das quais dependia a nomeação e a manutenção em funções do Executivo – é justo afirmar, que, pesaram sobre Santana pressões e limitações de várias ordens;
4. Nunca Santana Lopes foi uma personalidade particularmente repeitada – tanto por adversários, como por companheiros de partido – e reveladora de equilíbrio. Daí que, os sectores mais ortodoxos da nossa classe política tenham encarado com verdadeiro pânico a sua chegada à liderança do Governo. E daí também que alguns nomes do núcleo duro da governação barrosista tenham optado por regressar aos bastidores – casos, mais conhecidos, de Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite – quando o ex-PM partiu para Bruxelas;
5. Não parece por isso estranho que, aqueles que viram com receio a constituição do XVI Governo, tenham sido os primeiros a criticá-lo fortemente, quando os primeiros sinais de descoordenação se instalaram, concretizando as previsões mais pessimistas. Na linha da frente dos críticos estiveram Marques Mendes, Cavaco Silva – de forma tácita, com a famosa “metáfora da má moeda” – e Marcelo Rebelo de Sousa, que na altura, na antena da TVI, garantia que o Executivo se aproximava do pior de Guterres;
6. Santana Lopes fez tudo menos causar surpresas. Menos de um mês depois de tomar posse já dava sinal de não controlar o governo e de presidir a uma equipa desorganizada, desarticulada e inoperante. Paulo Portas impunha a sua linha de rumo em episódios mediaticamente negativos como o do “Barco do Aborto”, e de entre os poucos Ministros a quem se podia, com isenção, reconhecer alguma competência técnica, uns estavam colocados em Pastas que nada tinham a ver com a sua preparação – veja-se o caso de Fernando Negrão, incompreensívelmente titular da Segurança Social e não da Justiça ou da Administração Interna, como seria de esperar – outros, numa lógica meramente individualista, procuravam perpetrar reformas nos respectivos sectores, alheios à concertação sistémica à qual as mesmas tinham de ser sujeitas;
7. A somar a tudo isto temos os episódios polémicos, abundantes, frequentes e pouco favoaráveis à dignidade institucional de qualquer órgão soberano de um Estado: o desnorte de Maria do Carmo Seabra perante o caótico arranque do ano lectivo 2004/05; o desastroso apelo ao contraditório do Ministro Rui Gomes da Silva, entendido como uma forma de tentar silenciar Marcelo Rebelo de Sousa – então comentador da TVI e crítico acérrimo do Governo; o autismo autoritário de Nuno Morais Sarmento e, a “gota de água”, que foi a demissão de Henrique Chaves, acusando o primeiro-ministro de falta de liderança;
8. No plano da Execução programática, a crise económica não dava sinais de ceder e o déficit orçamental previa-se poder vir a ultrapassar os limites impostos pelo PEC. Ao mesmo tempo, Santana coloria a realidade, atitude que apenas contribuíu para o seu descrédito enquanto político e enquanto primeiro-ministro;
9. Sucediam-se os alertas do Presidente Sampaio, sinais do desconforto sentido em Belém, que deveriam ter conduzido a uma inflexão de certas políticas e não à manutenção da mesma linha de rumo;
10. Em jeito de conclusão, recorde-se que, à época, a opinião pública era quase unânime ao afirmar que o Governo não se estava a levar a sério;
Perante tal cenário, parece-me intuitivo constatar que a equipa de Santana Lopes não tinha condições para permanecer em funções até ao termo da legislatura. A dissolução parlamentar ou a demissão do governo eram quase inevitáveis. E Jorge Sampaio, como bom jurista que é, escolheu a alternativa de mais fácil fundamentação – recorde-se que o nº 2 do art. 195º da CRP, faz depender a demissão do governo da necessidade de assegurar o “regular funcionamento das instituições democrática”. A concretização deste conceito indeterminado, exigindo uma argumentação bastante sólida, é uma via naturalmente mais trabalhosa que a mera dissolução, a qual, se respeitados os limites formais, temporais e circunstanciais a que aludem os arts. 113º/6 e 172º/1 CRP, é um acto materialmente livre.(*)
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(*)Vai efectivamente neste sentido a posição da maioria da doutrina, apoiando-se no facto de não estarem consagrados, na letra da lei, quaisquer limites materiais expressos, à prática do acto de dissolução.
Por interpretação sistemática, também nos parece razoável afirmar que a necessidade do PR garantir o regular funcionamento das instituições democráticas (plasmada no art. 120º CRP), implica que todos os seus actos estejam funcionalizados à prossecução deste objectivo (incluindo o de dissolução).
"Dos aspectos irritantes do Outono" ou "Um post de quem, aparentemente, não tem nada mais útil em que reparar"
Sempre que chegamos esta época peculiar de Outono, certas situações irritantes repetem-se, de tal modo que nos invade uma certa sensação de previsibilidade. Destes fenómenos perenes, comuns a qualquer Outono português, alguns são extremamente irritantes, mas sobretudo um. Algo que me irrita mais do que o clima incerto, que nos deixa sempre na dúvida entre vestir sobretudo ou manga curta, e depois vemos na rua tanto as pessoas que optaram por aquele como as que optaram por esta, fazendo uma miscelânea caricata; algo que me irrita ainda mais que os debates do Orçamento de Estado, que acabam sempre da mesma forma: aprovado, nem que seja à custa de queijo flamengo do Minho ou bolo de mel da Madeira; estou a falar-vos, naturalmente, dos anúncios publicitários da marca de chocolates Ferrero.
Chegam de soslaio, finais de Agosto, inícios de Setembro, quase sempre com um telefonema do marido para a mulher a informá-la que ainda não existe
Ferrero Rocher ou
Mon Chéri nas prateleiras do supermercado, e a mulher a insistir, e o homem a dizer que não e a confirmar com o homenzinho do supermercado, e mais uma vez ela desconfiada, como as mulheres desconfiam sempre dos homens, e o coitado já quase a levar outro chocolate qualquer, porque o problema dela era mesmo falta de glícidos, mas ela insiste que quer da
Ferrero, e no fim vai ter que esperar à mesma ou, se fosse esperta, comia
Cadbury’s que para mim são melhores; afinal não há chocolate e a mulher lá vai ter que saciar o apetite doutra maneira, provavelmente mais benéfica para o marido.
Voltam ao ataque na televisão assim que atacam as secções de doces dos estabelecimentos comerciais, com dois anúncios típicos e mais antigos ainda do que o do telefonema. A publicitar a avelã coberta de chocolate com não sei quê, aparece sempre uma senhora da alta sociedade (Tia), que está a ser pintada por não sei quem, e pede “algo” ao mordomo, que dá pelo nome de Ambrósio; este faz-se sempre de parvo a ver se lhe toca qualquer coisinha, ele também já não é novo e os padrões de exigência já não são tão elevados como eram aos 20, 30 anos, só que ela apercebe-se e esclarece logo que quer
Ferrero Rocher para ele não ter segundas intenções; o que ainda não percebi é porque é que ela diz “bravo Ambrósio” enquanto aprecia o quadro se o homem só lhe deu chocolate – podemos interpretar então que afinal ele também trabalhou com o pincel e aquilo do bombom era só um acessório para enganar o espectador. Havia o outro da limusina, que nunca mais apareceu, também com os mesmos protagonistas (excepto o pintor) e com a mesma exclamação “bravo Ambrósio” no final. A cereja do Fundão (sim, é portuguesa para quem não sabe) metida dentro do chocolate com licor é sempre publicitada por um casal que recebe amigos em casa e guarda um bombom desses para o final da noite; quando já começa a pensar em maneiras divertidas para o dividir, volta o empata do amigo e saca-lhes o bombom; depois de terem ficado sem docinho, aposto que não ficaram com fome, tal como os nossos amigos Tia e Ambrósio, funcionando também o bombom como motivo para outras actividades não só menos calóricas como ainda eliminadoras de calorias.
Em resumo, está desvendado o motivo central da campanha publicitária da
Ferrero que nos aparece em cada Outono nos televisores e atinge ao clímax duas ou três semanas antes do Natal, quando se verifica um verdadeiro bombardeamento intenso, tanto de chocolates como de brinquedos para crianças. No fundo, são anúncios estapafúrdios que confirmam a tese de não haver má publicidade, apesar desta ser péssima… mas agora está-me mesmo a apetecer um
Ferrero Rocher... já agora que tenho ali uma caixa vou comer um… mas é só porque não tenho
After Eight ou
Cadbury’s… adoro
Cadbury’s.
Alegre e o referendo irrelevante
Sem grandes surpresas o XV Congresso do PS! A aclamação quase unanime de Sócrates (depois de um resultado na mesma linha nas eleições directas para secretário – geral) e os discursos amargos de Manuel Alegre e Helena Roseta, unidos até ao fim, na curiosa tarefa de fazer uma oposição interna responsável mas incoerente, integradora e irrequieta.
Defender que o partido deve usar a maioria parlamentar para despenalizar a IVG na AR, em caso de vitória não vinculativa do “não” no referendo, parece-me a proposta mais despropositada, de entre o conjunto de comentários na mesma linha que têm feito nos últimos tempos. Despropositada e reveladora de pouca consideração pela opinião do eleitorado. É que afinal, em termos muito simples, isto não é mais do que reduzir o referendo – um instituto que se pretende poder sedimentar a prática da Democracia Participativa – a uma mera interrogação retórica sem qualquer valor político: se disserem que sim, alteramos a lei; se disserem que não, alteramos na mesma, porque nós é que temos a maioria e o “dever histórico” de a fazer valer.
Acredito que todos os referendos, independentemente de contarem ou não com a participação eleitoral suficiente para despoletar um procedimento legislativo, são politicamente vinculativos. Porque essa é uma manifestação imprescindível de consideração que a Democracia dá aos que nela participam, aos que estão interessados, aos que saem de casa para dar opinião. Quanto mais não seja, é uma garantia de participação popular, a garantia de que, os que se abalaram até às urnas, não preferirão, da próxima vez, ficar no sofá a ver televisão, ou passear pelos corredores apertados de um Centro Comercial.
É que ninguém gosta de ser actor de numa peça onde o seu papel é completamente irrelevante.
Marceneiro, que saudades...
Mocita dos caracóis Não me deixes minha querida
Não ouves os rouxinóis
A cantarem como heróis
A história da nossa vida
Se abalares da nossa herdade
Os teus encantos destróis
Irás atrás da vaidade
Que a moda lá na cidade
Não tem desses caracóis
Teu cabelo é lindo e loiro
De caracóis verdadeiros
Na cidade esse tesouro
É comprado a peso d'ouro
Nos grandes cabeleireiros
A tua saia redonda
Bordada de gerassóis
P'ra tua escultura bonda
Serei sempre a tua ronda
Mocitas dos caracóis
Dá-me a tua mocidade
Que eu dou-te a minha depois
Não queiras ir p'rá cidade
Porque eu morro de saudade
Mocita dos caracóis.
Letra: João Linhares Barbosa
Música: Alfredo Marceneiro