Vicarious Liability
quarta-feira, outubro 11, 2006
  Democracia e Participação Cívica
A conferência integrada no programa «Quadratura do Círculo» da SIC NOTÍCIAS, onde no passado sábado participou o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, concluíu, sem grande surpresa, que o desinteresse dos cidadãos pela vida pública se acentuou.

De facto, excepto em momento de eleições – nas quais a taxa de abstenção também é cada vez maior -, raramente os portugueses se sentem interessados em participar na condução dos destinos da comunidade e, quando o fazem, é porque se instalou uma consciência generalizada de que algo está mal e é preciso mudar. Consequentemente, é cada vez mais raro encontrar-se assistência nas reuniões das Câmaras ou das Assembleias Municipais, ao passo que a procura de informação sobre a vida cívica decresceu substancialmente e a recusa em tomar parte em actividades políticas ou militar em partidos tem seguido a mesma tendência.

Os motivos, esses, são muito discutidos, algumas vezes com rigor e pragmatismo, outras com demagogia e um certo distanciamento táctico da realidade.

Por agora, e como não me considero minimamente especialista na matéria, nem me encontro sequer, na disposição de dados que possam sustentar uma dissertação muito profunda, deixo algumas sugestões, relativamente àquelas que podem ser as verdadeiras causas do “divórcio” dos cidadãos com a política:

1. Em primeiro lugar, o ritmo de vida acelerado dos nossos dias e o individualismo que caracteriza esmagadoramente a sociedade portuguesa. Sabe-se que o tempo é curto, dividido entre o trabalho (ou a escola/faculdade) e a vida familiar, e que, o que resta, é empregue em actividades que possam proporcionar directamente conforto e satisfação pessoal, a despeito de todos os outros temas que se prendem com o comunitário e com o colectivo. É por isso que não é só a política a merecer-nos um profundo desprezo. São também as associações, as ONG’s, os clubes (não de futebol, claro), as fundações e até outras manifestações mais simples de cidadania, como sejam a participação em reuniões da assembleia-geral de moradores do nosso prédio ou a aceitação do cargo de administrador do condomínio;

2. Depois a falta de informação sobre o tema. Esta causa, que alguns consideram irrelevante ou facilmente ultrapassável (argumentando que a infomação existe, o que não há é interesse em adquiri-la) é na verdade bem fácil de comprovar. Basta tentarmos perceber quantos de nós sabem com rigor quais são as funções exactas do Presidente da Repúbica, do Governo, dos Deputados da AR, dos titulares dos órgãos das Autarquias Locais (e aqui não só do Presidente da Câmara, unanimemente mais reconhecido, mas também dos Vereadores, dos Deputados Municipais, dos presidentes de Junta e dos Executivos de Freguesia)… Um estudo, ainda que pouco rigoroso, chegaria à conclusão que apenas uma pequena parte dos portugueses detém informação detalhada sobre o assunto. E menos ainda sabem como funciona um partido político ou uma associação, qual é a orgânica duma empresa pública ou até quais são os direitos individuais que constitucionalmente nos assistem e as respectivas formas de os fazer valer;

3. Também de considerar é a superficialidade com que algumas questões nucleares da vida cívica são abordados pelos meios de comunicação social, sobretudo pela televisão, que continua a ser aquele que é esmagadoramente mais procurado. Dou um exemplo: no caso concreto da reforma da segurança social, pouco se viu de detalhado, em telejornais, sobre a essência e as linhas de força dos projectos apresentados, tanto pelo Governo como pelo PSD. Assim, a discussão ficou-se ao nível da troca de acusações e dos argumentos de circunstância e a cobertura mediática da questão, centrou-se essencialmente na chamada, “chicana política”;

4. O elitismo com que a vida pública é vista pela generalidade dos cidadãos - herança dos tempos do “silêncio forçado” do «Estado Novo» , que parece ainda não nos ter abandonado - é também um factor importante. Ora, isto significa que, para muita gente, a participação e a decisão políticas são dois fenómenos a que o cidadão comum deve ser completamente alheio, o que, de imposição do Salazarismo, se transformou numa forma muito cómoda de afastamento dos problemas e de demissão das responsabilidades pela sua resolução.
Na prática, todo o português que se preze é um crítico activo do “sistema”, um observador atento da “República das Bananas” em que o seu país se tornou, um juíz rigoroso da classe política, um teórico mordaz das debilidades do Regime, ou até, a outro nível, uma vítima indefesa do Estado “saqueador” e “oportunista” a cujas regras parece prestigiante desobedecer (e aqui cabe o português solidário, que na estrada avisa os outros condutores da aproximação da GNR-BT, mas no entroncamento anterior não cedeu passagem a quem devia e ainda buzinou aos ouvidos de quem reclamou ter prioridade)! Mas bem poucos estão dispostos a ser mais do que isso;

5. Para os que acompanharam activamente a implantação do Regime Democrático e as vicissitudes do processo revolucionário, de 25 de Abril de 74 a 25 de Novembro do ano seguinte (com o triunfo da Democracia Representativa de tipo Ocidental), a falta de participação cívica, pode talvez justificar-se pela perda de entusiasmo, de dinamismo da vida política, associadas à normalização constitucional. A este propósito, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, numa entrevista à Visão, disse uma frase que me parece resumir bem o teor do actual momento político: “ Agora vive-se habitualmente a Democracia, com tudo o que tem de mais pacífico e de menos heróico ou galvanizante”;

6. Existem também algumas franjas da população que não se reveêm no Regime vigente, nem no modelo de Estado e de Direito gizado pela CRP de 1976. Tal posição, perfeitamente legítima, não parece porém ser sinónimo de absentismo. Diria mesmo que o desinteresse se move com mais segurança, entre aqueles que não têm propriamente uma opinião crítica sobre o sistema político e simplesmente o dão como “um dado adquirido”;

7. A relação ausente, ténue, entre eleitos e eleitores, representantes e representados, cataliza certamente fenómenos de desinteresse. Quantos portugueses sabem, por exemplo, quais são os deputados eleitos pelo círculo eleitoral do distrito em que residem? E quantos saberão como contactá-los? Fazer-lhes chegar as suas queixas, as suas dúvidas ou as suas sugestões?;

8. Finalmente, a causa mais citada e certamente uma das mais importantes: o desencanto com a política e a descredibilização das instituições representativas aos olhos da opinião pública. Fruto de expectativas quebradas, de esperanças demasiado ambiciosas e posteriomente goradas ou até de comportamentos displicentes dos titulares de órgãos públicos, pouco prestigiantes do cargo que ocupam e do próprio Estado enquanto entidade política… seja qual for a explicação que possamos encontrar para este fenómeno, o facto é que ele existe, e tentar negá-lo, é o pior ponto de partida para encetar uma discussão séria sobre a parca participação cívica registada em Portugal;

Soluções? Ainda que possa soar demasiado a panaceia (até pelo número de vezes que já me referi a ela) só vislumbro uma: a formação cívica, o investimento na Educação para a Cidadania, para uma Cidadania activa, mas também esclarecida e responsável.

Só a formação cívica contribuirá para:

§ O eclarecimento sobre a dinâmica funcional do Regime, potenciando a participação naquele;

§ Incutir nos cidadãos um sentimento de crítica permanente do Sistema Político e até da própria Constituição. Mas não uma crítica passiva, derrotista, não a crítica sem soluções. Uma crítica sim, mas com alternativa, com mudança, com inovação, uma crítica visando o aperfeiçoamento não a ridicularização gratuita;

§ Estimular nos eleitores, um sentimento de avaliação responsável e criteriosa dos eleitos, no sentido de, continuamente, conhecerem os que cumprem normalmente as suas funções e os que não o fazem, punindo-os em momento oportuno;

Só a formação cívica potenciará uma cidadania activa, consciente mas também séria e responsável. Porque mais importante que participar, é fazê-lo com informação.
 
Comentários:
Caro Ricardo, teoricamente concordo com o teu texto; infelizmente na prática, vou apresentar outras conclusões:
- a nível profissional, as pessoas estão cada vez mais sobrecarregadas de cargos, funções, e trabalhos intermináveis, de burocracias, e cada vez mais reclamam baixinho, só falam nas costas do "chefe", porque cada vez estão mais amedrontadas, e assinar qualquer documento está fora de questão!
- Todos estão a ver Portugal a caminhar para a sua auto destruição, mas toda a gente se sente cada vez mais desanimada, cada vez mais desiludida e sem vontade de lutar, porque têm medo de dizer algo e ser panalizadas!
- Cada vez mais se ouve dizer:"Não vou votar nas próximas eleições!", porque acham que não vale a pena: rodam as cabeças, mas a mentalidade é a mesma! E cada vez, o rico é mais rico e tem mais regalias e cada vez o pobre é mais pobre e tem menos regalias e a tendência é que muitos se tornem em "lambe-botas"!
- O governo está a fomentar cada vez mais diferenças e está a fomentar inimizades entre colegas de trabalho, incompetências e cada vez mais vigarices infiltradas com o sistema a que se chama "autonomia" das autarquias, das escolas e sei lá mais de onde!
- O que posso afirmar é que as pessoas cada vez mais têm medo de falar, de dar a sua opinião, cada vez mais se desligam da política.
- Porquê?
- Porque estão cansadas de serem vigarizadas, de acreditarem num partido, ou numa pessoa, e depois chegam à triste conclusão de que foram enganadas (mais uma vez!)
- Os "tachos" são sempre para a família, para os amigos, para os afilhados e os que têm mérito têm de procurar outras alternativas!
- A Formação Cívica poderia ser uma boa alternativa, mas a disciplina que tem esse nome serve para tudo, menos para formar cidadãos. Serve para tratar de burocracias: de faltas, justificações, preparar actividades, como "raves", viagem ou festa de finalistas, para fazer os comunicados oficiais, para fazer matrículas, para "ralhar" com os alunos. Resumindo, o que seria bom e útil para os alunos não pode ser leccionado, porque não há tempo para isso! E o nome da disciplina é enganoso, poderia chamar-se tudo menos Formação Cívica, que todos entendemos de forma diferente, mas que na prática se resume áquilo que afirmei! Outros temas poderão ser ministrados, se a turma for razoável, isto é, tenha poucos problemas disciplinares, poucas faltas e não tenha problemas de aprendizagem! No entanto, é sempre polémico falar de política, ou de religião a miúdos que estão a crescer, podemos sempre ser mal interpretados! Há outros temas que são muito "quentes" e polémicos e que não são bem recebidos por todos! E o ministério não dá orientações, não apresenta programas e cada qual faz aquilo que acha correcto, ou o que é definido em cada escola!
Marianne
 
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