As Eleições do PSD e a credibilidade do sitema político
Com a demissão de Luís Filipe Menezes, precipitada pelas declarações de Aguiar Branco, e na sequência de um conjunto de críticas internas, vindas dos sectores mais “notáveis” do partido, multiplicaram-se as candidaturas à presidência do PSD (neste momento, compreendendo um total de 5 candidatos) e é de crer que o círculo de candidatos pode ainda não estar completo, se Alberto João Jardim, depois de um conjunto de declarações incoerentes entre si (ao seu melhor estilo) decidir avançar.
A disputa interna pela liderança, debatida e acompanhada pela comunicação social, é um processo saudável de aprofundamento da democracia, essencial para a credibilidade dos partidos que são, em sistemas políticos como o nosso, os seus principais agentes. Isto apesar de a imagem de divisão interna poder ser contraproducente em termos eleitorais, sobretudo num período como este, em que se avizinham eleições decisivas para a oposição.
Mas qualquer debate político, qualquer candidatura, só pode dignificar a política se for ele próprio, dignificante. Que é o que não acontece com as eleições internas do PSD neste momento. Em 5 candidatos, o partido que pretende apresentar-se como alternativa ao governo de Sócrates, conseguiu oferecer apenas uma alternativa credível, uma personalidade com o perfil necessário para o cargo de primeiro-ministro: Manuela Ferreira Leite. Concordemos ou não com a sua postura, há que reconhecer a autoridade pessoal que o seu percurso de rigor comporta, sobretudo em matéria financeira.
Como adversários (ou possíveis adversários) tem aquilo que, salvo o devido respeito, não pode deixar de chamar-se «políticos de segunda linha»: Patinha Antão e Pedro Passos Coelho são candidatos periféricos, que, mau grado as boas intenções, dificilmente terão o número de apoios necessário para conquistar a liderança, e, mesmo que o tivessem, nunca disputariam com sucesso as legislativas de 2009 à frente do partido. Pedro Santana Lopes foi o pior primeiro-ministro português desde os governos provisórios de Vasco Gonçalves e o pior presidente do PSD desde a sua constituição. Populista, adepto da vitimização e do debate político pouco elevado, fértil em questiúnculas laterais, possui a propriedade invejável de, em pouco tempo, dizer e fazer uma coisa e o seu contrário, e depois vir a público com um ar impoluto, todo vestido de rigor e de princípios, afirmar-se coerente. No seu percurso, é conhecido por nunca levar até ao fim os cargos que assume, por disputar obstinadamente a liderança do partido, como objectivo pessoal em nome do qual tudo vale, pelos escândalos da gestão da CML e pelas trapalhadas do seu governo de 8 meses, onde, ao lado de Paulo Portas (ele também regressado) foi responsável por polémicas que Portugal não via desde os tempos do PREC.
É lícito que qualquer um tenha ambições e projectos pessoais e seja determinado, que lute obstinadamente, que tente por todos os meios possíveis alcançá-los. Mas tentar ascender um cargo político, não é o mesmo que jogar semanalmente no euro-milhões, com esperanças renovadas, desejando que a sorte nos bata à porta: ninguém pode apresentar-se, ninguém pode pretender ser líder do principal partido de oposição, e assim, possível futuro primeiro-ministro, apenas por ambição pessoal, porque isso lhe dê prazer ou faça sentir realizado. É preciso um projecto pessoal, por muito pobre ou incoerente que seja. É preciso ter alguma coisa a dizer ao país e ao partido. E Santana, por muito que diga, não o tem.
De Alberto João Jardim, por fim, não há muito a dizer. Como muitos autarcas de província, onde o debate político se confunde com a agressão e a bazófia, conseguiu construir a imagem de que tem obra feita, e de que isso, por si só, lhe dá um crédito que mais ninguém tem, o habilita a dizer e fazer tudo o que lhe passar pela cabeça sem que ninguém estranhe ou possa criticar. No seu percurso de mais de 30 anos à frente da RA Madeira, percurso de populismo e deficit democrático, é conhecido pelas polémicas mediáticas que tem provocado. O homem que chama “filhos da puta” aos “jornalistas do continente” aos microfones da SIC, que afirma que os Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira são “loucos” e se refere ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao Ministro das Finanças, respectivamente, como o “Sr. Silva”, o “Sr. Carvalho de Sousa” e o “Sr. Santos”, como se de merceeiros se tratassem, é indigno das funções que ocupa e envergonharia a República e a Democracia Portuguesas, já de si não muito dignificadas, se se tornasse primeiro-ministro.
A disputa interna pela liderança do PSD, conjugada com outros acontecimentos políticos recentes, dão o mote para uma reflexão interessante sobre a vitalidade do nosso sistema político, que as comemorações dos 34 anos do 25 de Abril tornam particularmente oportuna.
E essa reflexão não pode levar-nos a outra conclusão que não a de que, três décadas depois do sonho de Abril, a político é um mundo a que a maioria dos cidadãos é insensível, descredibilizada pelo seu funcionamento e pela mediocridade dos seus protagonistas.
Um mundo que, progressivamente, todas as pessoas com mérito foram abandonando, para se dedicar à vida empresarial, a cargos internacionais ou a actividades universitárias, para que só sobrem os políticos profissionais, os rapazes do aparelho, que não têm competência para muito mais do que agitar bandeiras nos comícios e encher salas com reformados que não sabem ao que vêm para criar, na comunicação social, a ideia de que as actividades partidárias são muito participadas. Ao contrário do adágio popular, foram os ratos os últimos a abandonar o navio, e foi àqueles que ele ficou entregue, à deriva nas vagas, talvez até naufragar. Os ratos que partilham entre si o poder, num espírito de clube, mas que já são poucos, que já se substituem a si próprios e se alternam rotativamente. Os ratos que persistem, quando todos os outros, do conforto do seu sofá, vão tecendo críticas mas não respondem à chamada, não se dispõem a passar da teoria à acção.