Vicarious Liability
quarta-feira, janeiro 23, 2008
  Os dois anos de Cavaco
Dois anos depois de ter sido eleito para ocupar Belém, muitos foram os elogios tecidos por comentadores e pela classe política (maxime, afecta à área do centro-direita, mas também de alguns dirigentes do PS como Vera Jardim) à actuação do Presidente da República Cavaco Silva.

O lema da “cooperação estratégica” reputado como tentativa de “deriva presidencialista” por Soares e Alegre na campanha eleitoral de 2006, revelou-se de facto, um plano de estabilidade e solidariedade institucional com o governo. Cavaco conseguiu a proeza de conciliar sua imagem de marca de “tecnocrata” preocupado com a economia com discretos acenos aos temas caros da esquerda e do centro-esquerda como o desemprego e as desiguldades sociais. Foi um Presidente que, para usar uma expressão popularmente empregue nestas circunstâncias, “agradou a gregos e a troianos”.

Só que daqui não releva, na verdade, grande novidade. A magistratura de Cavaco não tem sido muito diferente da de Jorge Sampaio, nem revelou mais preocupações em gerir com pacifismo a “coabitação” com o centro-esquerda, do que Soares, nos primeiros anos do seu mandato fez em relação aos governos maioritários do PSD.

Este estilo de Presidente normalizador e dinamizador de diálogos, arauto da estabilidade, esta figura do Chefe de Estado vestido de dignidade monárquica, pedagogo do sistema político, não é mais nem menos do que o sentido dos poderes presidenciais, moldado pela prática política e por uma ponderada interpretação da Constituição. É este o sistema semipresidencial que temos, com os seus defeitos e as suas virtualidades...
 
Comentários:
E assim, da penumbra, surge um post com utilidade.
 
Escrita cuidada, visão actual sobre a esquerda e a direita - onde pouco mais muda do que a cor de cada bandeira -, descrição bem feita do papel de um Presidente em Portugal nas últimas décadas. Mas agora sobre a utilidade do post é que tenho que duvidar. É que criticar bem não é fácil, mas realmente difícil é indicar o caminho certo a seguir ou, pelo menos, um caminho menos mau. Porque não uma sugestão para o futuro do "sistema semipresidencial" a concluir o post? Francisco Louçã agradeceria...
Bem, mas antes uma critica com fundamento do que ficar de braços cruzados. Disso já esta nação tem em exorbitante quantidade.

Cumprimentos,
R_
 
Caro R_,

Obrigado pela visita e pelo comentário. Quanto a sugestões sobre o futuro do semipresidencialismo, faltam neste post precisamente porque me parece que atingimos neste momento um "ponto de equilíbrio", de tal forma que, quaquer mudança profunda, dentro deste Sistema de Governo, representaria uma perda em termos de estabilidade.

Aumentar os poderes do Presidente (como já tem sido reclamado por certos sectores) tornaria o nosso sitema especialmente vulnerável aos problemas que enfrentam outros semipresidencialismos "clássicos" como o fancês: a conflitualidade entre o Presidente e o Governo, a disputa pelo "primeiro plano", pela liderança da acção executiva. Sobretudo em tempos de coabitação, como o que agora vivemos.

Diversamente, também já foi dito, sobretudo depois da dissolução parlamentar de 2004, que o Presidente "tem poderes a mais e que devem ser moderados" (enfim, à primeira vista é uma afirmação imputada a Santana Lopes, mas que deve ter mais seguidores). Diminuír esses poderes também seria um erro: parece que ele conserva o número de poderes de emergência e a liberdade política para utilizá-los necessários para fazer face a situações de crise, que é quando verdadeiramente se torna insubstituível o seu papel.

Convinha talvez esclarecer melhor as suas competências em matéria de defesa nacional (o poder de decisao em matéria de defesa acaba, na prática, por estar concentrado no Governo, o que é "incoerente" com a designação do Presidente como "Chefe Supremo das Forças Armadas") e clarificar o âmbito de aplicação do poder de demissão do governo, cujo exercício se encontra práticamente "bloqueado" pelo regime que lhe foi gizado pela RC 82.

Uma prova disso está na dissolução de 2004, precisamente: o discurso do Presidente Sampaio, na altura, de acordo com o espírito dos dois intitutos, pareceu mais direccionado à justificação da demissão do que da dissolução ("perda de confiança no governo", etc). Contudo, sabia que, se tivesse optado por essa alternativa, ficaria colocado numa espécie de "beco sem saída".


A par disso, seria necessário que se reforçasse a independência dos Presidentes em relação ao seu sector político (nem sempre muito vincada) pois só isso lhes dará as condições necessárias para exercerem o papel de "árbitro" que o sistema lhes tem reservado.
 
Após reler de forma mais dedicada o post em causa apercebi-me do meu erro: não se trata de uma crítica ao sistema ou ao Presidente, mas, antes, uma constatação em jeito de balanço - se continuo longe da verdade alguém que me corrija. Lamento a minha falha.
Relativamente ao seu comentário, caro Ricardo, concordo que naquilo que à Defesa Nacional diz respeito possa ser esclarecido o papel do Presidente face àquilo que está estabelecido - mais concretamente no art. 120º da CRP. No entanto, considero que num futuro não muito distante o país perca soberania até no que às forças militares nacionais diz respeito, visto que no panorama internacional são já muitas as forças políticas que advogam a necessidade de uma centralização militar através das Nações Unidas ou, até, através da UE.
Sobre a (im)possibilidade do Presidente demitir o Governo também estou completamente de acordo no sentido de ser necessária uma clarificação. Mas, honestamente, não sei exactamente como tal clarificação será possível. É que permitir ao Presidente toda a liberdade para demitir um Governo não é, logicamente, aconselhável. Ou se impunham condicionantes mais concretas à demissão de um Governo - talvez seja isso que está a faltar - ou, simplesmente, se retirava de todo esse poder ao Presidente.
Quanto a reforçar a independência dos Presidentes em relação aos seus partidos políticos tal imposição nunca será aceite por esses mesmos partidos. Então como fazê-lo? Bem, no curto prazo é algo que não passa de uma utopia. Mas, como referiu Eduardo Galeano, as utopias não existem para ser alcançadas, existem para nos fazer caminhar.

Cumprimentos,
R_
 
Caro R_,

Não está errado, a intenção era precisamente fazer um balanço. Ou antes: uma constatação da realidade do nosso Sistema de Governo (o balanço exigiria mais desenvolvimento e detalhe, o que não me é possível neste momento).

Estou também plenamente de acordo quanto à questão da perda de soberania no contexto da UE. Vai nesse sentido o tão elogiado "Tratado de Lisboa".
Mas não será só o Presidente como todos os órgãos de soberania a sentirem as consequências da erosão dos poderes do EStado-Soberano face a este tipo de entidades supra-nacionais. Aliás, a AR (para além da circunstância de, na prática, o grande órgão legilsador ser o governo) já há muito que sente abalada pela legislação comunitária o seu papel de "topo" no exercício da função legislativa.

O mais lamentável não é que o esvaziamento dos poderes do Estado-Soberano se faça em detrimento de uma entidade supra-estatal (confederação, associação de Estados, federação... ou lá como queiram chamá-la) pois o mérito de tal projecto depende da perpectiva de cada um. O mais lamentável é que o perca para órgãos de legitimidade democrática difusa e duvidosa, como é o caso do Conselho Europeu e da própria Comissão.

Quanto ao poder de demissão do governo pelo PR parece-me que não são só as limitações da letra do art. 195º, nº 2 que tornam difícil o seu exercício. Os próprios cenários que resultariam de um acto deste tipo o desaconselham: ou o Presidente dava posse a outro governo da mesma maioria, muito provavelmente liderado pelo mesmo PM, o que soaria a uma derrota sua no confronto como o governo; ou teria que consecutivamente dissolver a AR e convocar eleições, caso em que o poder de demissao perdia autonomia em face do de dissolução.

A alternativa (dar posse a um governo de partidos da oposição) também se afigura difícil por ser necessário que existissem entendimentos partidários sólidos.

De onde retiro que não me parece existirem muitas saídas para uma revisão deste regime (embora ela fosse desejável). Talvez pudesse acrescentar-se uma enumeração exemplificativa dos casos em que a demissão contribuir para assegurar o regular funcionamentos das instituições democráticas.

Mas não sei se isso não limitaria mais a liberdade de actuação do Presidente.

O reforçar a independência: parece-me de facto uma utopia. Primeiro porque os partidos não o desejariam; segundo porque os próprios Presidentes dificilmente o conseguem fazer; terceiro porque a própria concepção social da imagem do PR (um político experiente, em fim de carreira) aponta, quase inevitavelmente, para um passado de lides político-partidárias...
 
Eu já percebi tudo. O pessoal só quer saber das mamas da floribela...
 
Primeiro que tudo, caro André, tal fotografia foi sem dúvida uma óptima opção para dinamizar este blog. Tentei ao máximo evitar comentar a foto, mas as mulheres, mais cedo ou mais tarde, acabam por vencer todas as barreiras possíveis e imagináveis que um bom homem tente manter.

Quanto ao nosso tema de diálogo caro Ricardo, deixe-me começar por dizer que o Tratado da Trafulha foi mais auto-elogiado do que só e apenas elogiado. Há uma frase que tenho de destacar por me parecer objectiva e muito bem conseguida: "O mais lamentável é que o perca para órgãos de legitimidade democrática difusa e duvidosa, como é o caso do Conselho Europeu e da própria Comissão". Concordo em absoluto. Mas devo ainda acrescentar dentro deste assunto europeu, que se querem uma centralização de decisões a nível europeu terão que ter em elevado cuidado a integração económica dos seus membros, pois, e apenas a título de exemplo, não se deve mexer nas taxas de juro quando as realidades dos vários países são muito diferentes, assim como iniciativas que visem o aumento de moeda em circulação no mercado. O que quero dizer é que se os vários membros têm internamente realidades económicas muito diferentes, a centralização de decisões só é aconselhável se for possível compensar os membros que sejam afectados por certas medidas. Assim, é necessário um sistema parecido ao que se encontra nos EUA, um sistema em que sejam cobrados impostos a cada estado, para que quando seja necessário haver compensações a alguns estados prejudicados por medidas centrais esses montantes sejam retirados de um fundo comum formado por aqueles impostos - para informação mais detalhada, já que o assunto não pode ser explicado em tão poucas palavras, ver "International Economics: Theory and Policy", Sexta edição. de Paul R. Krugman e Maurice Obstfeld, 2003.

Relativamente a tudo o resto que li apenas posso dizer que estou de acordo, visto que são conclusões óbvias (não o digo de um modo depreciativo, antes pelo contrário, há mérito em torná-las claras).

Cumprimentos,
R_
 
Felizmente os administradores do blog estão a ressuscitar!
Quanto ao Senhor Presidente da República Portuguesa, estou a pensar que deve ser raro Presidente e Governo estarem tão de acordo! Parece-me que têm as mãozinhas demasiado dadas! Ou será impressão minha? LOL!
Marianne
 
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