Como somos um país rico e poderoso, gostamos de ajudar os países mais pobres. Só assim se justificam negócios como o da venda da participação maioritária do Estado português na barragem de Cahora Bassa. Em primeiro lugar, fomos nós que a idealizámos e construímos, já que a barragem foi praticamente concluída antes da independência de Moçambique. Depois, a barragem deixou de funcionar durante a guerra civil, e, como é regra básica do Direito e da Economia, o risco corre pelo proprietário; trocando por miúdos, andaram os nossos pais, avós (eu não porque eu ainda não era vivo) e o povo português em geral, a suportar o custo de um investimento de biliões com rendimento igual a zero. Mas, como diz o povo, os pecados dos nossos avós, fazem-nos eles e pagamos nós, por isso o Estado português decide finalmente abdicar da participação maioritária da barragem, logo agora que está a dar dinheiro: abastece não só Moçambique, mas também produz energia vendida para África do Sul, Zimbabué e já há negociações com o Malawi.
Mas então, pensam os menos habituados a estas coisas, se vendemos não demos, logo devemos ter recebido alguma coisa. De facto, o negócio foi mais favorável do que aquelas dívidas perdoadas a Angola, esse país pobre cheio de diamantes e petróleo, o que fez do Estado português (ou seja, todos nós) um dos maiores patrocinadores do casamento de luxo da filha de José Eduardo dos Santos. Mesmo assim não subestimem a nossa capacidade de inventar prejuízos: então não é que nos fomos lembrar de proporcionar a Moçambique um pagamento a prestações? Mais curioso ainda, esse pagamento deve ser feito em dólares, moeda que se vem desvalorizando a pique face ao euro desde… praticamente o dia em que o euro entrou em circulação! Resultado: os 700 milhões de dólares que valiam mais ou menos 550 milhões de euros quando o acordo foi assinado, em Outubro de 2006, valem, ao câmbio de 23 de Novembro, qualquer coisa como 470 milhões de euros. São 80 milhões de euros que perdemos, que, quando acrescentados aos milhões e milhões incontáveis de dívidas perdoadas aos PALOP – bem utilizados na compra de armas para matar adversários políticos, carros e casas de luxo, outros bens de primeira necessidade que tanta falta fizeram para desenvolver a qualidade de vida das populações (de políticos) – podiam ser gastos em infra-estruturas essenciais em Portugal, como por exemplo alguns estádios de futebol para uma eventual candidatura conjunta com Espanha ao Mundial de Futebol de 2018.
Só para os mais sensíveis, isto não tem absolutamente nada de racista: prejudica os portugueses pretos, brancos, amarelos ou azuis, incluindo os filhos daqueles que saíram das ex-colónias e por cá fazem a sua vida. Prejudicou e muito o povo que realmente sofreu com as guerras civis nas ex-colónias, para as quais o Estado português também contribuiu, entre outras formas, com fundos “emprestadados”. E depois, o que também não é nada fácil, obriga-nos a dar razão ao Alberto João Jardim, quando diz que não admite cortes no orçamento para a sua região enquanto se esbanja dinheiro ao perdoar dívidas a países estrangeiros. O que vale é que estamos em Portugal, ou seja, quando o Benfica ganha quaisquer outras notícias são praticamente irrelevantes.