Difícil é definir o que é amar, ou o que é o Amor.
A questão que me coloco neste momento mais específico é a seguinte: será que amar é aceitar-se alguém com todas as suas virtudes e com todos os seus defeitos, por mais reles que estes últimos possam ser para nós, e respeitar o espaço de livre arbítrio da pessoa amada por escolher esses caminhos, ou será antes que amar é, ainda que aceitando essa escolha passada, sinónimo de querer revolucionar a pessoa amada, produzindo nela mudanças tais que a façam seguir um propósito ou um modo de vida mais próximo do nosso, que é o que consideramos ser bom?
Concentrando-me especialmente na segunda; se quisermos mudar alguém por amor a essa pessoa, por sabermos que essa pessoa tem capacidades para ser melhor, muito melhor do que o é actualmente, e que apenas não o é por uma série de circunstâncias exteriores e antagónicas às próprias virtudes dessa pessoa, por querermos o melhor para ela, e por supormos que o melhor para essa pessoa, dada a presença especial dessas virtudes nela, é o que sabemos ser melhor para nós também – será isto o Amor? Será que amamos essa pessoa se quisermos produzir nela tais mudanças?
Ou será que ao querermos fazê-lo, ainda não a amamos, e apenas o faremos quando tais mudanças tiverem sido produzidas? Então, não será toda a questão do “fazer-se as mudanças por amor a essa pessoa” uma mera argumentação retórica e demagógica? Por outro lado, também sabemos que temos a temer, se nada fizermos, que, ao tomarmos uma atitude menos intervencionista relativamente a essa pessoa, nada mudará. E, na verdade, essa “imobilidade por amor” resultará no derradeiro fracasso de qualquer relação amorosa que se queira ter com a dita pessoa.
Porque, não nos iludamos jamais: duas pessoas com modos de vida completamente opostos não poderão jamais subsistir num relacionamento amoroso por muito tempo se uma não se adaptar à outra. Ora, na eventualidade de uma das partes não se querer adaptar à outra, ou não empreender esforços nessa tarefa, se se quiser levar o propósito avante, a outra terá que, irremediavelmente, dar o braço a torcer, com um custo de oportunidade enorme para o seu lado, visto que isso levará a que muitos dos seus hábitos, e grande parte da sua vida como a conhece no presente se venha a alterar drasticamente, quiçá, mesmo, se venha a sua vida a desviar do caminho certo.
Parece-me então que o Amor leva a que inevitavelmente, se já não forem semelhantes, uma das partes se venha a assemelhar à outra, conquanto se tome em devida atenção o facto de que para que tal aconteça é sempre preciso que uma das partes, a que se proponha a mudar, demonstre vontade em o fazer e abdique, pois, da vida antiga. Posto isto, também é importante que se diga que nem todas as ocasiões, nomeadamente as do quotidiano, são propícias a que se opere essa mudança, mas sim ocasiões especiais, ocasiões que por si só provocam o contacto com uma experiência nova. E para todas as mudanças, pelo menos para as que conheço, existem essas oportunidades fulcrais susceptíveis de revolucionar a pessoa profundamente, levando-a, em última instância, ao “bom porto” individualmente concebido.
Parece então que a finalidade do Amor não é a liberdade, mas sim a prisão, uma “prisão livre”, citando as palavras de Ruy de Carvalho, e uma prisão “boa”, uma prisão que é o cerne da felicidade das pessoas. O amor não se dá bem com a ausência de ordem, pelo que tende, por isso, a extinguir-se, se se der o caso de ao Amor ser associado uma vivência deste em perfeita anarquia. O amor muda as pessoas, adapta-as uma à outra, e na maior parte das vezes, a uma mais do que à outra, mas tudo isto é suportável se houver amor, isto é, se houver felicidade proveniente do relacionamento de duas pessoas. Por isso se diz que o amor é uma prisão livre e boa, porque a felicidade, o resultado final, a causa e o efeito, o alfa e o omega de todas as mudanças feitas a nível pessoal em nome do Amor, compensa grandemente todas as outras coisas que em seu nome foram abdicadas pela pessoa que se propôs a mudar-se a si mesma, por amor a alguém, e até por amor a si própria, e à sua capacidade de atingir a felicidade.