Vicarious Liability
sábado, fevereiro 10, 2007
  Cinzentismo Oportuno
A um dia da votação para o mais polémico referendo dos últimos tempos em Portugal (e certamente, na minha opinião, o mais inútil), e apesar de eu próprio já estar absolutamente entediado de ouvir os argumentos e contra-argumentos do "Sim" e do "Não" sobrepostos e expostos consecutivamente, não posso deixar de escrever sobre um assunto que considero ser de basilar importância e que vem, claro está, associado ao debate do referendo e às posições dos Movimentos Cívicos e dos Partidos Políticos a favor e contra a despenalização do aborto, e é esse assunto o cinzentismo oportunista (e oportuno) tomado como estandarte por ambas as facções, quer o "Não", quer o "Sim", recentemente, a pouco tempo da chegada da data da votação.

Ora, por cinzentismo oportuno (e oportunista) entendo eu ser a tomada de posições opostas e congénitas à facção cívica ou política rival a título de compromisso, podendo estas ser moderadas ou centristas, ou radicalmente opostas, em certos casos; tudo isto visando atingir o objectivo populista e eleitoral da conquista de mais uns quantos votos para o lado do "Sim" ou do "Não".

Vamos a exemplos concretos? Com certeza. Sendo o "Não" contra a despenalização do aborto, comprometer-se a "lutar" para que, dando-se o caso de o "Não" vencer, se caminhe na feitura de nova legislação sobre o aborto que permita verdadeiramente não imputar qualquer responsabilidade criminal na mulher que cometa o aborto - ou outro ainda, neste caso para o "Sim"; sendo o "Sim" pela despenalização do aborto, e implicitamente, pela inevitável liberalização do aborto, ainda que não propositadamente (porque não sejamos hipócritas - se a despenalização é "causa", a liberalização será o "efeito"), dando-se o caso de o "Sim" vencer, comprometer-se este movimento a também ele "lutar" para que, na feitura de nova legislação sobre o aborto, sejam tomadas medidas preventivas com critérios de razoabilidade para que se tente prevenir ao máximo uma generalização da prática do aborto como medida contraceptiva, ou seja, prevenir, enfim, a liberalização do aborto.

Já viram a definição, e já viram os exemplos à qual ela se reporta. Vamos então às consequências para o eleitorado: tédio, descrença na integridade valorativa e nas causas arguidas por ambos os movimentos, tomada de consciência sobre a incoerência das posições cimeiras tomadas por ambas as facções e sobre o populismo afecto à conquista de mais uns quantos votos, em nome de interesses sujos, sejam eles de índole económica ou político-ideológica. Estas são as consequências que pelo menos para mim se tornaram reais, embora nunca absolutas, face a tal cinzentismo oportuno (sublinhe-se também, mais uma vez, e oportunista!) levado a cabo nestes últimos momentos antes do referendo, para captar os votos dos indecisos e até de alguns eleitores mais pragmáticos que não tenham levado ao extremo a absolutização dos seus valores (ou ausência dos mesmos).

Ora isto é criticável, claro, no sentido de ser comparável a uma atitude semelhante àquilo que se chama de "vira-casacas", e é grave assistir-se a tal atitude quando estão em causa valores fundamentais defendidos pela Ordem Jurídica como a vida dos nascituros, do lado do "Não", ou a vida e a dignidade das mulheres enquanto Seres Humanos, do lado do "Sim". É principalmente grave porque quando se pesam valores como estes e se chega a uma conclusão, seja ela a favor de um ou de outro dos valores em causa, é suposto que se tenha feito um juízo moral e ético sério e coerente com a crença intrínseca e superior naquilo em que se acredita ser o mais importante e o valor mais pesado, aquele que eventualmente vence na consciência de cada um sobre o outro. E este cinzentismo político parece deturpar, de certo modo, os valores fundamentais defendidos por uma e por outra facção, em nome de pura política, bem ao estilo das lições do Professor Maquiavel. Não creio que assim deva ser...

No entanto, e como estamos a falar de um cinzentismo que é oportuno, ironicamente, e se de facto o movimento que vencer honrar o seu compromisso, coisa que considero francamente difícil - tenho alguma dificuldade em conceber um movimento como o "Jovens pelo SIM" a perdurar no tempo o suficiente para se bater pela tomada de medidas razoáveis e preventivas no procedimento legislativo no sentido de prevenir que o aborto se generalize como medida de contracepção - e o mesmo para os movimentos do "Não" - a sociedade civil e o povo, a civilização, em geral, pode vir a beneficiar bastante com tal facto. Isto porque, dando-se a hipótese de o "Sim" ganhar, e se, volto a sublinhar, o "Sim" honrar o seu compromisso, pode, efectivamente, vir a ser criada uma lei que, despenalizando o aborto criminalmente, venha igualmente a tomar medidas muito razoáveis e bastante preventivas no sentido de impedir que a despenalização venha a produzir o indesejável efeito de "generalização" do aborto (e creio que indesejável efeito é uma opinião consensual, entre os apoiantes do "Sim" e do "Não"). E o mesmo se passando com a hipótese de o "Não" ganhar; verificando-se este facto, se o "Não" honrar o seu compromisso, pode também vir a haver uma reforma da legislação em vigor, no sentido de retirar a responsabilidade criminal como imputável às mulheres que pratiquem o aborto no nosso país.

Vistos os possíveis benefícios deste cinzentismo dualmente oportuno (tanto para o mal como para o bem), resta-nos a angústia e o receio, já bastante comum, entre o eleitorado português, de que mais uma vez, se deposite a confiança do voto numa facção que depois venha a desonrar o compromisso por si assumido. Resta-me, em jeito de conclusão, subscrever na totalidade o caríssimo amigo André Timóteo nos últimos parágrafos do seu penúltimo artigo deste blog, em que este apelava a que se votasse não guiados pelo que seja dito por outrem, mas sim pela via da própria consciência individual. O problema, claro está, é que também o André se esqueceu de que consciência individual, ou bases racionais e lógicas para que esta se possa construir de forma sã, não é o forte da grande maioria do povo Português, daí os "excelsos" resultados eleitorais que vimos a ter desde há 31 anos...
 
Comentários:
O maior problema deste "cinzento" todo é que se estão a esquecer do factor humano, psicológico e consciência de cada um!
Estão a transformar Vidas em politiquices!
Se todos tivessem condições para criar os filhos que "Deus manda", ou se fazem por "acidente", nada disto seria preciso!
Afinal, o que os portugueses precisam é de ter trabalho, dinheiro, saúde, condições de vida e uma vida mais rosada! Ninguém "mataria" um filho se lhe pudessse dar condições de sobrevivência adequadas! Certo?
Marianne
 
Ora aí está, não há nada como manter o povinho bem entretido, pois assim, faz menos barulho contra medidas do governo. Qual regime de especial mobilidade da função pública? Assim todos entretidos com o aborto, ninguém se lembra disso e evita-se a chatice das greves. Aqueles que ainda estão no Terreiro do Paço querem jogar na sua playstation em paz e não estar a ouvir um chatos, lá com a mania da ditadura do proletariado (ou lá o que é) a fazer barulho. Dêem lá o chupa-chupa aos putos para eles não fazerem birras...
 
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