Vicarious Liability
sexta-feira, setembro 01, 2006
  A Democracia e os Partidos Políticos

Os partidos políticos são associações organizadas e com certo carácter permanente, que se formam em torno de uma determinada ideologia ou de um projecto de sociedade, com o objectivo de conquistar e exercer o poder político, de acordo com o seu programa, e procurar a adesão da população ao mesmo.

O desejo de participação no exercício do poder político tem acompanhado as sociedades humanas através dos séculos, conhecendo-se também diferentes concepções programáticas relativamente aos objectivos e às prioridades desse poder, as quais andam a par da formação e da instrução das comunidades, das suas necessidades, mas também dos interesses de classe e dos naturais antagonismos que a este propósito se costumam levantar.

Porém, o aparecimento dos partidos, nos termos e nos moldes específicos com que os entendemos hoje, é um fenómeno relativamente recente, que grosso modo se pode situar entre as décadas de 20 e 30 do século XIX, na Grã-Bretanha e nos EUA. Antes, conheceram-se os clubes políticos (os girondinos e os jacobinos, por exemplo) que polarizaram o debate ideológico no pós-Revolução Francesa ou outros grupos como os “tories” e os “whigs” em Inglaterra e os “federalistas” e os “republicanos” nos EUA, os quais já se podem considerar com mais rigor como percursores dos partidos em sentido moderno.

A evolução dos partidos políticos – dos partidos de quadros ou de comités, representativos dos interesses da classe burguesa, aos partidos de massas, abertos à generalidade da população – é um fenómeno conexo com a implantação do Estado de Direito, tendo acompanhado os avanços e recuos que o processo de desenvolvimento da Democracia Moderna conheceu, do século XIX até ao dealbar da centúria seguinte, e depois no período posterior às duas Grandes Guerras.

Com a queda dos Autoritarismos e a afirmação da Democracia Representativa – forma política que assenta na ideia de que o poder pertence ao povo e deve ser exercido, não directamente por este, mas através de representantes eleitos por períodos de tempo previamente definidos – os partidos tornaram-se os principais intermediários entre os cidadãos e o Estado, convertendo-se em representantes privilegiados daqueles na gestão dos negócios públicos e na governação da Comunidade. Isto apesar de subsistirem (e terem ganho força ultimamente em Portugal) alguns institutos típicos da Democracia Directa, como sejam o referendo, o plebiscito e a iniciativa legislativa popular.

Persistem também outros mecanismos de participação dos cidadãos no exercício do poder – de que são exemplo o direito de petição e de informação – os quais, no entanto, não têm o mesmo peso que a eleição ou a militância numa associação politicamente organizada.

A posição hegemónica dos partidos no quadro da Democracia Representativa e o seu estatuto de representantes privilegiados (ou muitas vezes únicos) dos cidadãos, tem despoletado inúmeras críticas e discussões doutrinárias apaixonadas, entre os que afirmam convictamente que estas associações são a “manifestação mais pura do pluralismo” e os que as consideram “oligarquias de interesses instalados” que atrofiam os Regimes Democráticos e restringem a um “mínimo ético” a ideia de «representação politica».

Algumas das críticas mais pertinentes que se podem apontar aos partidos políticos são as seguintes:

1. apesar de serem partidos de massas, em que aparentemente qualquer cidadão pode livremente militar, e através deles, chegar a lugares cimeiros no Aparelho Político do Estado, convivem sempre com certas “elites”, que funcionam como “grupos fechados” e partilham entre si as principais posições proeminentes. Isto suscitaria a concepção de um partido político como algo de semelhante a um “clube de futebol” com a polarização entre os agentes activos do poder, e os que se limitam a apoiá-los (quase que como adeptos) e suportar a sua actividade, com escassas possibilidades de transitarem desse escalão para outro;

2. o poder conquistado é usado em benefício da massa militante do partido e não da generalidade da população (o conjunto destes dois pontos, justifica a designação de “oligarquia de interesses” levantada pelo Prof. Marcello Caetano). Ou seja, o poder é um instrumento para prosseguir os interesses dos que o conquistam e o Estado serve o partido, em vez de ser o partido a servir o Estado;

3. os partidos reduzem ao mínimo a ideia de representação. Como é impossível que qualquer pessoa com um pensamento autónomo e razoável se identifique com a totalidade da mensagem dum partido, ao votar nele não terá encontrado um “representante perfeito”, mas apenas um “representante no essencial”, visto que algumas das suas orientações dogmáticas não encontram eco na ideologia partidária que escolheu. A isto costuma obstar-se uma ideia, que é também a principal crítica que pode ser apontada aos sistemas eleitorais proporcionais: partindo-se do princípio de que cada pessoa pensa por si própria e tem um determinado entendimento da realidade, nunca conseguiria encontrar um representante pleno, a não ser que se representasse a si mesma. Ora, se os cidadãos se “ representassem a eles mesmos” e exercessem directamente o poder, estaríamos a denegar a ideia de “Democracia Representativa” e a acolher a de “Democracia Directa”;

4. militar num partido é um acto de auto-limitação da liberdade de expressão e opinião, porque, para assegurar a coerência nas posições públicas dos partidos, os seus dirigentes e militantes têm muitas vezes de veicular as orientações assumidas pelos órgãos dirigentes e convencer o eleitorado de que as aceitam e defendem, mesmo quando têm uma opinião diversa;

Porém, apesar da relevância destas críticas, parece legítimo admitir-se que a Democracia Directa não é uma alternativa credível à representação política (porque pode levar ao caos e ao exercício do poder por quem não esteja preparado para o assumir), e que, todas as formas de representação alternativas aos partidos acabaram por conduzir ao Autoritarismo e à subversão do princípio Democrático do pluralismo (ver o caso da «União Nacional», no «Estado Novo», dita um “não-partido”).

A questão está pois em saber, como abrir a “Democracia aos cidadãos”, não abdicando dos partidos políticos como principais agentes da representação e tomando o conceito de “pluralismo” em todas as suas vertentes ou dimensões. A este propósito, parecem poder considerar-se as seguintes sugestões:

1. desde logo “abrir” os próprios partidos à sociedade civil, atacando as tendências elitistas e oligárquicas que muitas vezes tendem a enraizar-se no seu seio. Neste sentido, não é de desconsiderar a imposição dum sistema de “limitação de mandatos” aos dirigentes partidários (para impor uma renovação permanente no corpo directivo dos partidos) ou ainda a necessidade crescente de inclusão de cidadãos independentes (independentes não no sentido de não militarem na associação partidária, mas de não estarem presos às principais limitações que um militante tem) nas suas listas, preferencialmente em posições com algum relevo (isto é, não apenas para “fazer vista” e “ocupar nas listas” entre a casta dos “lugares não elegíveis”);

2. Interessante poderia ser também que as listas apresentadas a órgãos colegiais fossem “listas abertas” (aquelas em que é dada, ao eleitor, a possibilidade de alterar a ordem pela qual surgem os candidatos propostos, definindo directamente os eleitos e os não eleitos) e não “fechadas” (aquelas em que a ordem dos candidatos é previamente definida, e, o eleitor, ao escolher aquela lista, está a aceitar a sua composição integral, sem possibilidade de a alterar) como acontece em Portugal. Costuma argumentar-se que a concretização de tal proposta faria com que a competitividade eleitoral se alastrasse a candidatos duma mesma lista (competiriam pelos lugares elegíveis), mas tal não parece de todo aceitável, visto que essa competição já acontece, de forma férrea, no interior dos próprios partidos, quando se preparam as listas. Portanto, apenas se externalizaria uma disputa que nunca deixou de acontecer, tornando-a mais transparente e mais democrática do que aquilo que poderá ser ocorrendo apenas nos “bastidores”;

3. Finalmente, creio que será de considerar a tendência dos eleitores para a “personalização” dos eleitos – sobretudo ao nível do poder local – vertendo-a claramente na lei eleitoral. Nesta linha, para além da possibilidade de listas de cidadãos independentes concorrerem aos órgãos das autarquias locais (o que muitas vezes é usado como forma dos candidatos “desavindos” com os respectivos partidos permanecerem na luta pelo poder – ver os exemplos de Isaltino Morais, Valentim Loureiro ou até de Fátima Felgueiras, auspiciosamente eleita depois de escapar a uma prisão preventiva -) considero que, pelo menos a votação para as Câmaras Municipais, deveria fazer-se directamente em referência à pessoa do candidato a presidente (o candidato a presidente formaria a sua equipa de vereação e apresentar-se-ia a eleições com ela, podendo depois receber o apoio de um ou vários partidos políticos ou grupos de cidadãos, como acontece com os candidatos à presidência da República);

4. Já no que respeita às eleições para a AR, não me sinto tentado a acolher a possibilidade de apresentação de listas de candidatos independentes dos partidos, pois tal só iria contribuir para a “pulverização dos eleitos”, dificultando a formação de maiorias absolutas de um só partido e assim a própria governabilidade;

Cumpre porém salientar, que todos os mecanismos de abertura do poder político aos cidadãos, só fazem sentido se estes estiverem interessados em participar no seu exercício e devidamente preparados para o fazer. Daí que avulte a necessidade de um maior investimento na Educação e na Formação Cívica.
 
Comentários:
Concordo plenamente com as críticas apresentadas nos pontos 2 e 4 e com as sugestões dos pontos 2 e 3!
E como não podia deixar de ser, só posso aplaudir e apoiar o último parágrafo!

É verdade, regressei aos comentários, só interrompi porque estive de férias!
Marianne
 
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