A «Caixa que Mudou o Mundo»
Há precisamente 50 anos atrás iniciavam-se na Feira Popular de Lisboa, então instalada em Palhavã, as emissões experimentais da RTP.
A «caixa que mudou o Mundo», estava já presente no quotidiano de outros países europeus desde os anos trinta e chegava assim a Portugal, autorizada pelo governo, depois da resistência inicial, com a aprovação do decreto que constituía a empresa pública responsável pelas emissões televisivas.
O acontecimento foi então publicitado como um “momento histórico” e atraiu centenas de pessoas para a Feira Popular, num misto de indecisão e ansiedade em conhecer as maravilhas que a técnica punha ao serviço do entretenimento.
Raul Feio foi o locutor escolhido para dar a cara pelo primeiro programa da televisão portuguesa. Emocionado, apresentou aos lisboetas o “maior espectáculo do Mundo” e confessou o desejo que toda a equipa sentia em, muito em breve, poder proporcioná-lo a todos os portugueses. No ecrã, seguiram-se monsenhor Lopes da Cruz, presidente da assembleia-geral da RTP e posteriormente a presença feminina de Maria Armanda Falcão – que veio a adoptar o pseudónimo de Vera Lagoa –, anunciando os principais desataques da programação daquele dia e introduzindo uma rubrica documental sobre a ourivesaria portuguesa, perante uma assistência incrédula e maravilhada.
O sucesso das primeiras emissões experimentais espelhava-se na atenção que os diversos meios de comunicação social dedicavam ao tema. E foi assim que, logo em Outubro do mesmo ano, foram encetados os trabalhos de preparação da emissão definitiva da televisão portuguesa, com a adaptação de um estúdio cinematográfico no Lumiar.
Contudo, as emissões regulares arrancariam apenas em 7 de Março de 1957. Presente que estava a ideia de que a televisão deveria ser posta ao serviço da “educação do público”, a programação aliava rubricas culturais de índole diversa, da música ligeira ao bailado e à música clássica, do teatro à declamação de poesia. Posteriormente afirmar-se-iam os programas de entrevistas, o humor e os concursos, como o «Veja se Adivinha», produzido em articulação com a revista ‘Rádio e Televisão’, que se propunha atribuir, aos vencedores, prémios “milionários” de alguns milhares de escudos!
A primeira grande operação de cobertura informativa, aconteceria ainda no ano do início das emissões regulares, com o acompanhamento da visita a Portugal da Rainha Isabel II. A filmagem da chegada da soberana à Base Aérea do Montijo e da sua recepção pelo Presidente da República, Craveiro Lopes, bem como, a transmissão dos seus primeiros passos em solo português, representariam um enorme esforço para todos os profissionais envolvidos, em face da insuficiência e do estado relativamente artesanal dos meios técnicos disponíveis.
Perante o sucesso das emissões, a RTP lançaria para o ar um segundo canal em finais da década de 60. Mas, quando em meados dos anos 80, a cor invadiu os ecrãs, a televisão era já muito diferente do padrão veiculado nas experiências da Feira Popular de Lisboa. O 25 de Abril e a abertura da sociedade conferiram à programação um carácter menos austero, mas também haviam feito ruir o seu projecto de instrução pública. O entretenimento partilhava agora os ecrãs com a informação, a cultura, e ainda a ficção, que conhecera uma faceta de sensualidade com a transmissão de telenovelas brasileiras, importadas à TV GLOBO, a primeira das quais seria «Gabriela», uma adaptação livre do romance Gabriela Cravo e Canela, do famoso escritor baiano, Jorge Amado.
Reconhecida como um importante instrumento de comunicação e modelação da opinião pública, a televisão seria cedo aproveitada no campo político, primeiro com as célebres «Conversas em Família» conduzidas pelo Professor Marcello Caetano, e no pós-25 de Abril, pelos diferentes núcleos partidários, com o objectivo de divulgar o seu projecto de sociedade e apelar ao voto. Promovem-se debates com os principais dirigentes políticos de então – como o célebre frente a frente entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, respectivamente secretários-gerais do PS e do PCP e defensores dos dois modelos políticos que se pretenderam implementar em Portugal depois do derrube do Regime – e acompanham-se em directo as noites eleitorais, com as posições públicas de vencedores e vencidos. Lentamente, a televisão afirma-se como um elo indispensável para uma batalha eleitoral bem sucedida, de tal forma que, o impacto mediático das candidaturas, é hoje a pedra de toque para o seu sucesso nas urnas.
O monopólio Estatal da televisão seria quebrado em 1992, durante os governos de Cavaco Silva, com o aparecimento da SIC e posteriormente da TVI. A afirmação das estações privadas coincide com a crise dos canais públicos e o advento dum fenómeno mediático que tem marcado a actualidade televisiva: a disputa pelas audiências e pelas receitas publicitárias em que estas indirectamente se traduzem.
Progressivamente têm-se registado esforços de reestruturação funcional e financeira da RTP, que visam a sua “reconciliação com o público” e têm sido acompanhados de perto por um debate apaixonado sobre a essência do “serviço público de televisão”.