Por que é que o «Estado Novo» não foi um Regime Fascista
Ainda hoje é prática corrente definir-se o «Estado Novo» como um regime Fascista (aliás, a própria CRP o faz no seu preâmbulo) e causa confusão a muita gente quando se procura argumentar que “fascizante” será a classificação mais adequada.
Na verdade, creio que a generalidade das pessoas associaram as duas palavras ao mesmo significado, pelo que, utilizar a segunda em detrimento da primeira, pode soar a “eufemismo”, a suavização da realidade da Ditadura, com intuitos mais ou menos macabros como “rescrever a história” ou “perfilhar os ideais do Regime”. Porém, os dois conceitos encerram uma diferença de fundo, diferença essa que nos coíbe de os utilizar indistintamente enquanto sinónimos e obriga a um maior rigor expositivo.
O fascismo é um Regime Autoritário de extrema-direita, militarista, dirigista e defensor do Nacionalismo e do Imperialismo. Para os fascistas povo e Nação fundem-se numa só realidade multifacetada, de cujos interesses o líder é o intérprete indiscutível, devendo ser venerado pelas suas qualidades de governante carismático e pelas política que executa, em nome da Salvação da Pátria e do interesse de Estado. O aparelho político será ocupado pelos quadros de um só partido, cuja ideologia se considera ser o único rumo possível para a Nação. Daí que, para manter a população arreigada a tais coordenadas de pensamento e à crença da sua utilidade, se recorra a sofisticadas técnicas de propaganda eleitoral e se estruture um Sistema de Ensino que procura integrar desde cedo os jovens na cultura do Regime e na sua hierarquia histórica (no topo da qual figurará o líder, quase que por Direito Divino, investido na missão mítica de guiar o povo que o acompanha). Paralelamente, desenvolve-se um refinado aparelho de repressão, traduzido desde logo no desaparecimento das liberdades políticas fundamentais, e ainda na existência de milícias, organizações paramilitares e polícias políticas responsáveis por “proteger o poder” e afastar os seus opositores declarados.
O fascismo pré-existe ao Estado Fascista, isto é, é o ideal modelador do partido a partir do qual se irá depois estruturar o novo poder político, eliminando os outros partidos e banindo as ideologias antagónicas. Daí que, tanto na Itália como na Alemanha, os partidos que futuramente guiariam a Ditadura, tenham existido ainda nos tempos da Democracia, concorrendo a eleições, recolhendo apoios e encetando o caminho mais ou menos longo que os levaria ao poder.
Diversamente, num Regime Fascizante como foi o «Estado Novo» português, o partido único (ou o “não partido”, conforme se prefira designar a União Nacional) aparece dentro do Estado, depois do poder político estar definitivamente instituído e organizado e com o objectivo de recrutar os seus titulares e formar quadros no âmbito da ideologia dominante.
Por outras palavras, no fascismo há um Estado modelado à medida de um partido único; nos regimes fascizantes um partido criado para reflectir a ideologia política do Estado e formar os seus dirigentes.
Isto não quer dizer que o «Estado Novo» não tenha sido uma Ditadura de Direita, repressiva, nacionalista e com profundas afinidades com os Governos de Mussolini e Hitler. Apenas não foi verdadeiramente «fascista». Uma mera precisão!