Pensamentos Decadentistas
Sou um amante de História, das Belas Artes, de Literatura e da Música, eis como defino as minhas preferências culturais. Não deixo, porém, de tecer as minhas considerações filosóficas e tenho a minha fé e confissão político-ideológica, muito
sui generis, por assim dizer. Espanta-me, contudo, que tais preferências sejam consideradas minoritárias e até elitistas na sociedade de hoje em dia, acessíveis e veneradas apenas por um pequeno punhado de gente culta, literada e apreciadora do génio e da mente inventiva do Ser Humano, na área das letras e da arte. Possivelmente, talvez nutra um certo desprezo pelas ciências exactas, mas apenas na sua componente técnica e empírica, com a qual não posso compactuar, dada a minha inaptidão epistemológica nesses ermos do saber humano. Mas é com grande pesar e desconsolo que observo a era de decadência socio-cultural pela qual a Europa, talvez um pouco à semelhança do que outrora aconteceu com o Império Romano do Ocidente, passa hodiernamente. E talvez por ser um amante nato de História que teço esta comparação entre a pretensa "civilização" europeia de hoje em dia, e o então descaracterizado e frágil Império Romano do Ocidente, e talvez mesmo o faça com exacta precisão, embora não me considere nenhum Profeta.
Parece-me a mim que hoje, à semelhança do que outrora aconteceu com o Império Romano sedeado em Roma, passamos por uma fase histórica de transição entre o antigamente apolíneo estio e o hodiernamente dantesco inverno das civilizações, nações e povos da Europa, já para não pintar ainda mais negro um hipotético futuro comparado a uma Alta Idade Média, em plena Idade das Trevas. Para introduzir, convém definir o que se entende por este termo, "idade das trevas", que não pode significar outra coisa senão o declínio do poderio e influência mundial da cultura, dos hábitos, dos usos e costumes, dos modelos socio-económicos e políticos, poderio este que a Europa, na sua História, desde pelo menos seis séculos a.C., manteve, o que equivale quase a dizermos que a Europa e os seus povos sempre prevaleceram ao longo da História do Homo Sapiens Sapiens moderno. E verdade é que houve apenas um período na História da Europa em que podemos considerar que esse poderio cessou ou acalmou, se bem que não na perspectiva de a Europa ser sucedida por outros povos e nações de qualquer outro continente da nossa Orbe, e esse período foi precisamente a chamada Idade Média, ou das Trevas, e já os mesmos fenómenos de declínio socio-económico, cultural e político se verificaram nessa dita época.
Eu próprio confesso, sem qualquer sentimento de culpa ou remorso, que vejo esta minha comparação decadentista como um tanto ou quanto pessimista. Não obstante, não vejo razão porque haveremos nós de pensar "positivo", de sentir as boas "vibes", quando observo com olhar crítico e muito atento ao que se passa à minha volta, na sociedade dos nossos dias. A verdade é que, e ao contrário do que vemos anunciado pelos nossos políticos e governantes desde há décadas atrás, que tão positivas visões do presente estado das
Rei Publicae (ou "coisas públicas", para os mais leigos no latim) e das previsões deste mesmo estado das coisas para o futuro nos dão, a voz da opinião comum, a voz da sociedade, especialmente em faixas etárias com mais maturidade e bem formadas, continua a ser pessimista, e diga-se de soslaio, sempre confiei bastante na voz da experiência, se bem que ela não seja necessariamente a voz da razão. Não obstante, e porque me assumo como um crítico e exigente espectador deste palco que é o Mundo, citando o célebre dito Shakespeariano, e dos actores e actrizes que o habitam, não posso deixar de concordar com tais posições mais negativistas sobre o actual estado da sociedade, e conceder-lhes, na minha opinião pessoal, a tal razão, que não necessariamente tem que estar do lado do quantitativo empírico.
Mas a verdade está aos nossos olhos: nada é como era dantes. Aquilo que nos definia como europeus, como um povo civilizado, fosse qual fosse a nossa nacionalidade, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, abarcando ainda os dois primeiros quarteis do séc. XX, está em clara e evidente decadência. Os modos de vida, o instituto da família, a própria demografia europeia, o próprio orgulho em sermos nós, europeus, a exportarmos os nossos hábitos e costumes sociais e culturais para os quatro cantos do Mundo, já para não falar nos modelos económicos, nos moldes ideológicos da política, na arte, nos estilos arquitectónicos; tudo isto está em clara decadência. Ao invés de exportarmos tudo o que acima referi, graças a duas guerras mundiais que dão a vitória de mão beijada a potências não-europeias, hoje somos nós quem os importamos. Até a mão-de-obra já nos vemos forçados a importar, e com consequências gravíssimas para a identidade socio-cultural europeia, seja de que país estejamos nós a falar. Países como a França, como a Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália, Portugal, que outrora foram senhores da maior parte do Mundo até então conhecido, são hoje em dia vassalos de potências extra-europeias, potências que subjugam muito subtilmente, através de um sibilante e taciturno neo-colonialismo, que coopera com um universalismo de fachada e uma vontade internacionalista desmedida.
Hoje, importamos quase tudo: importamos o neo-liberalismo americano, ou a social-democracia pseudo-europeia, europeia quanto à origem dos autores desta ideologia política, mas claramente de pendor soviético, se formos a analisar a sua prática consignada ao longo dos tempos. Importamos o capitalismo selvagem, libertário, de todo desprezador do bem-estar social e cultural dos povos, ou o modelo social-democrata, no qual o Estado é demasiado castrador na influência e controlo com que pretensamente dirige a economia de um país. Pior, ensina-se hoje nas nossas escolas, falando mais concretamente no caso Português, que Portugal existe apenas desde o 25 de Abril de 1974, e que até então, havia sido um estado controlado por um governo de alienígenas malignos e demoníacos que queriam era tirar o trigo ao povo para dá-lo aos ricos. E o que aconteceu ainda antes disso para nada interessa, porque isso daí é "História", é "passado"! Quem quer saber disso para alguma coisa? Associado a tudo isto, importamos estilos arquitectónicos americanos, importamos modas americanas, até os nossos hábitos gastronómicos estão transtornados pela influência pesada do sonho Americano na nossa sociedade. E se acaso tivéssemos sido uma República Democrática ou Popular ao estilo da Europa de Leste, o que não esteve longe de acontecer, na verdade, não tenham dúvida de que importaríamos tudo aquilo que referi apenas com uma diferença: "Made in USSR".
Não restam dúvidas de que estes fenómenos são inteiramente comparáveis ao que aconteceu com o Império Romano a partir do séc. III d.C.. Até então, o povo romano havia sido um povo maioritariamente conservador, amante dos seus hábitos e costumes, especialmente na época clássica da cultura latina. A partir desse século, e inerente à enorme crise política que nela se verificou no seio do Império, nada mais foi o mesmo. Os romanos perderam a sua identidade, não só pela mistura com outros povos que imigravam em massa para dentro das fronteiras territoriais do Império, como também pela aquisição dos hábitos, dos costumes, até dos credos religiosos de povos que assimilaram ao longo dos tempos nas suas inúmeras províncias conquistadas aos "bárbaros". No fundo, deixou de haver distinção entre o que era
barbaroi e o que era romano. Também eles, os romanos, passaram a importar tudo, e a nada exportar. Deixaram-se cair no lascismo e na facilidade de uma vida sem cansaço, mundana e até mesmo leviana, e com isso perderam o seu espírito empreendedor, engenhoso e produtor de uma tal cultura civilizacional que, embora viesse a sofrer tamanho declínio face à chegada da dita Idade das Trevas, viria a renascer pelo menos três vezes nos séculos vindouros: Renascimento, Iluminismo e Neo-Classicismo.
Mais uma vez reafirmo bem saber que a minha opinião é claramente pessimista, excluindo desde já qualquer crédito que se dê à retórica conquistadora das massas dos políticos dos nossos dias, aos olhos de qualquer leitor que a leia. Mas insisto neste ponto que, para mim, parece-me ser assente: mas haverão razões para optimismos fúteis, dada a possibilidade quase total de esta comparação ou previsão, como preferirem chamá-la, se verificar face ao que hoje temos diante dos nossos olhos? Muito honestamente... "Hum... Não me cheira!"