Desafio Inadiável
Quando em meados dos anos 90, o então primeiro-ministro, António Guterres, afirmava ser a Educação a "primeira das suas paixões políticas", o tema teve pela primeira vez dignidade mediática, mas as reformas efectuadas e os resultados conseguidos, ficaram nitidamente aquém do entusiasmo dos debates e das intenções iniciais.
No consolado guterrista ganhariam terreno outro sectores sensíveis para a agenda do partido do governo (como foi o caso das políticas sociais, marcadas pela implementação do chamado “rendimento mínimo garantido”, indissociavelmente ligado ao nome do Ministro Ferro Rodrigues); para os executivos de Durão Barroso e de Santana Lopes, a questão financeira (conexa com o equilíbrio das contas públicas e a redução do deficit do orçamento de Estado, a um nível compatível com o estipulado pelo PEC) transformou-se no epicentro dos programas governativos e finalmente, com José Sócrates e a “esquerda moderna”, as preocupações económicas não decaem, (pois que a crise parece não ceder e exige continuar a ser combatida), mas têm de coabitar com o tema de eleição do novo primeiro-ministro: a inovação tecnológica, a I&D, o empreendorismo e a chamada “economia do conhecimento”, resumidos no famosíssimo “choque tecnológico”, que se ambiciona ser a marca distintiva do primeiro governo maioritário socialista.
A “paixão de Guterres” parece, por isso, ocupar um lugar cada vez menos proeminente no quadro das prioridades programáticas dos sucessivos governos, o que não deixa de ser preocupante, em função da importância e da premência de que este tema se reveste nas sociedades actuais.
Com efeito, não hostilizando outras questões importantes, seria interessante que a Educação e a Instrução Públicas fossem definitivamente tomadas como desígnios fundamentais da política governativa. Se para tal não existissem outros motivos, é sempre interessante lembrar que Portugal é dos países da Europa onde se registam as mais elevadas taxas de analfabetismo e de ilitracia, onde o nível médio de instrução da população se situa em patamares mais baixos e o abandono escolar é mais intenso, onde a desmotivação se faz sentir logo nos primeiros anos da escolaridade e o insucesso (dramático em certas disciplinas como a Física e a Matemática, e revelado anualmente nos Exames Nacionais) convive com o “enciclopedismo” dos programas e o seu frequente desajuste da realidade, o preenchimento excessivo dos horários e dos currículos (com tempos lectivos de utilidade duvidosa, como as conhecidíssimas áreas não-disciplinares de Estudo Acompanhado, Área de Projecto e Formação Cívica, as quais, se alterações profundas não se fizeram desde o tempo em que frequentei o 3º Ciclo do Ensino Básico - não muito remoto, por sinal -não passam de uma forma de encher o horário e “distrair” os alunos, para que não regressem a casa a horas inconvenientes para os pais). De lembrar ainda o flagelo da violência nas escolas, muitas vezes ocultado ou tratado com demasiada brandura pelas autoridades políticas – para evitar remexer em temas polémicos – e a própria qualidade das instalações e dos equipamentos escolares, que, como é sabido, nem sempre é a mais desejável.
O desafio de investir na instrução pública, torná-la num tema nuclear da agenda política, apresenta-se, nos tempos de hoje, como cada vez mais inadiável. Assim como inadiável é qualificar a população e a mão-de-obra (formar “capital humano” como frequentemente se diz, visto ser dele que depende o aumento da produtividade nacional e a geração de riqueza) e injectar “massa crítica na população”, que lhe permita distinguir o justo do injusto, o medíocre do admirável e elevar o nível de exigência.
Por último, da educação e da formação depende também o futuro do próprio Regime Democrático gizado pela CRP, assente na participação dos cidadãos na gestão da “coisa pública” e na interacção entre governantes e governados, o que de todo não será possível, se o desconhecimento e o desinteresse pela vida cívica se mantiverem como tendências dominantes e se projectarem no tempo.