Contributo para um melhor entendimento da actual crise no Médio Oriente
O Hezbollah (que em português significa partido de “Allah” ou partido de Deus) é uma organização armada islâmica e xiita, (*) criada em 1982 com o apoio dos governos da Síria e do Irão e com a finalidade de lutar contra a ocupação hebraica do sul do território libanês. Os seus “quadros” são formados por jovens órfãos libaneses, que perderam os pais em consequência dos ataques israelitas desencadeados nesse ano.
A retirada definitiva dos exércitos judaicos do território Libanês, que aconteceu em Junho de 2000 depois de algumas pressões internacionais, não justificou o desmantelamento da organização, que tem continuado a operar no país, assumindo como objectivo fundamental a luta contra a presença hebraica no Médio Oriente e denegando a existência do Estado de Israel, à semelhança do Hammas que actualmente lidera o Governo da Palestina. Mas, para além do braço armado, o Hezbollah desenvolve actividades nos sectores da Educação religiosa, da promoção da reconstrução do país e das actividades produtivas, da Saúde (contando com vários hospitais, clínicas e centros de enfermagem) e preocupa-se com o auxílio aos familiares dos mártires – bombistas que se suicidaram pela causa de Allah – motivos que podem explicar a circunstância do movimento não constar, pelo menos até há bem pouco tempo, na lista oficial das organizações terroristas elaborada pela ONU.
Por outro lado, a questão da relação institucional que mantém com o Estado Soberano do Líbano tem motivado grande controvérsia, entre os que defendem que as Autoridades de Beirut são coniviventes com as actividades da organização, apoiando-as, e os que apenas admitem que o Estado coabita com a milícia armada não dispondo de meios para a desmantelar. Apesar disso, actualmente têm representantes no Parlamento libanês (14 deputados num total de 128 mandatos) e no governo, tutelando o Ministério da Energia, e, de certo modo, os dos Negócios Estrangeiros e do Trabalho, atribuídos respectivamente a
Faouzi Saloukh e
Trad Hamadé, considerados pró-Hezbollah.
O Movimento liderado pelo cheique
Hassan Nasrallah é acusado de se ter envolvido em várias actividades terroristas ao longo dos anos 80 e 90, entre os quais um atentado suicida em 1983 realizado contra forças internacionais sitiadas em território libanês para assegurar a manutenção da paz, e que vitimou centenas de militares norte-americanos e franceses, instaurando o pânico.
A questão do seu financiamento (particularmente o financiamento do arsenal bélico que utiliza, que, tendo começado por ser visivelmente rudimentar, é actualmente bastante mais sofisticado) tem suscitado também muitas dúvidas: fala-se no apoio dado pelos governos da Síria, do Irão ou até do próprio Líbano, mas também de patrocínios de particulares (por exemplo, oriundos das fortunas pessoais dos seus principais dirigentes) ou de certas actividades ilícitas (como redes de tráfico de droga), cujas receitas reverteriam a favor do Movimento.
A oposição bélica entre os exércitos de Israel e as tropas do Hezbollah – que alguns especialistas em Direito Internacional Público consideram não poder classificar-se como uma “guerra em sentido restrito”, dado que não ocorre entre dois Estados Soberanos – começou há cerca de duas semanas, na sequência do sequestro de dois militares israelitas na madrugada do passado dia 12 de Julho pela milícia libanesa, e tem como principais objectivos, de acordo com as Autoridades Hebraicas, responder à ofensiva latente ao Estado Judaico consubstanciada neste sequestro e libertar o território do Líbano da influência da organização, desmantelando as suas estruturas.
Desde aí tem motivado inúmeras baixas de militares e civis de ambos os lados e destruições materiais, mergulhando mais uma vez esta região do Mundo num clima de caos. A nível Internacional, a ONU, a União Europeia, bem como alguns Estados a título singular, têm desenvolvido esforços no sentido de mediar o problema e debelar rapidamente a crise. Há Estados que tomam o partido de ambos os lados (fazendo lembrar a “Guerra Fria”, se me permitem a comparação), exigem o cessar-fogo de Israel e ameaçam intervir potenciando uma irradiação do conflito. Cogita-se a hipótese do envio de forças internacionais para o terreno, enquanto se aguarda para conhecer a proposta de solução do problema, que a Secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, hoje apresentou a vários líderes locais (ao governo de Israel, ao Presidente da Autoridade Palestiniana…).
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(*) Os “xiitas” integram o Ramo do Islão que se opõe ao dos “Sunnitas”. O principal motivo da cisão entre as duas escolas reside na questão da sucessão de Maomé enquanto líder religioso e espiritual da Comunidade de Fiéis: os “xiitas” acreditam que a única sucessão legítima era a que vinha da linhagem de Ali, primo e genro do Profeta; os “sunnitas” pregavam que o novo líder espiritual seria Abu Backr e a dinastia dos seus sucessores adquiria legitimamente o direito de continuar a tarefa começada por Maomé.
Das três escolas teológicas – Sunnitas, Xiitas e Caridjitas – os “Sunnitas” são os mais moderados e também os que têm maior implementação. Seguem a “Sunna”, isto é, a conduta do Profeta e consideram-na fonte de Direito e de regras de conduta.
(**) Sobre o tema, cfr:
Para os mais pacientes: ALBUQUERQUE, Ruy e ALBUQUERQUE, Martim, História do Direito Português, vol. I, Tomo I, PF, FDL, Lisboa, policopiado. (capítulo do "Direito Puramente Consentido").