Começo de Férias
O debate do Estado da Nação na AR da passada quarta-feira, e a entrevista do primeiro-ministro à SIC e à SIC NOTÍCIAS, marcam em definitivo o fim da agenda política portuguesa do primeiro semestre deste ano.
A partir de agora, vamos todos de férias. E para os portugueses férias são mesmo férias. Apesar da crise (esse vocábulo enfadonho que se parece ter enraizado no nosso léxico colectivo desde meados de 2001), os Hotéis devem estar preenchidíssimos, as agências de viagens assoberbadas em encontrar destinos exóticos, e os operadores bancários em júbilo por terem conseguido vender muitos daqueles créditos especiais fantásticos, que dão ao requerente a ideia de que pode fazer vida de milionário imediatamente após a subscrição, mas que começam a pesar tremendamente no orçamento familiar, quando chega a altura de arrumar a majestade no álbum de fotografias de férias e começar humildemente a pagar as dívidas contraídas.
Durante cerca de dois meses, nada de falar em assuntos relevantes, acabaram-se as greves, os protestos, os deficits, o desemprego, os impostos, as emoções do futebol e a chicana política. Barriga para o ar, fruir o sol da praia e o cheiro a água salgada, tal será o programa ideal, partilhado pela generalidade dos portugueses, do cidadão comum pagador de impostos (de má vontade, e com a firme convicção de que o Ministro das Finanças, ainda que mude cem vezes de cara ou de nome, é sempre um “gatuno”) aos mais altos dignitários da nossa vida social, económica, cultural e política. Estes últimos partem para férias naturalmente concentrados no seu dever de servir a coisa pública, e se por acaso forem fotografados pensativos, sorumbáticos, certamente daí devemos inferir que se encontram perturbados pelos problemas da Nação, provavelmente a pensar (como sempre fazem) na forma mais adequada de os resolver.
Nas televisões, os apresentadores dos programas que constituem o quotidiano da nossa grelha mediática, partem para o merecido descanso, e cedem lugar a meia dúzia de personalidades de segunda linha, que por incrível que parece ainda conseguem ser mais medíocres do que eles; os telejornais, se não morrer ninguém digno de notícia, abrem e fecham com notícias de incêndios, imagens de velhinhas lavadas em lágrimas, ou da visita de alguma autoridade competente aos locais mais afectados pelas chamas (se entender dignar-se interromper o remanso por motivo de sobremaneira insignificante) para condecorar bombeiros, presenciar funerais ou deixar promessas; o espaço deixado vago será preenchido por telenovelas, sim, porque mais uma ou duas também ninguém repara, e o povo quer é descanso e agora está mais tolerante com a televisão.
Em Setembro, lá para meados de Setembro é que o nosso país arranca de novo. Abre o campeonato nacional de futebol e a disputa pelo título e reabrem as hostilidades na lide política, com o governo a voltar de férias mais bronzeado e com a firme convicção de que está a fazer um trabalho brilhante, e a oposição ainda a pensar em praia e em charutos, mas lembrando que está muita coisa mal, embora nem sempre eficaz quando chamada a citar exemplos. E o português anónimo, findo o elixir da fantasia, também regressa à realidade que conhece, desta vez sem toalhas de praia ou folhas de palmeira para ocultar. Essa realidade que todos nós reconhecemos ser pouco simpática, mas que poucos fazem alguma coisa de efectivamente útil para mudar (a não ser críticas).